Podereis
roubar-me tudo:
as ideias, as
palavras, as imagens,
e também as
metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a
primazia
nas dores
sofridas de uma língua nova,
no entendimento
de outros, na coragem
de combater,
julgar, de penetrar
em recessos de
amor para que sois castrados.
E podereis
depois não me citar,
suprimir-me,
ignorar-me, aclamar até
outros ladrões
mais felizes.
Não importa
nada: que o castigo
será terrível.
Não só quando
vossos netos não
souberem já quem sois
terão de me
saber melhor ainda
do que fingis
que não sabeis,
como tudo, tudo
o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o
meu nome.
E mesmo será
meu,
tido por meu,
contado como meu,
até mesmo aquele
pouco e miserável
que, só por vós,
sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas
nada: nem os ossos,
Que um vosso
esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por
meu.
E para os outros
ladrões,
Iguais a vós, de
joelhos, porem flores no túmulo.
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Jorge
Sena nasceu em Lisboa em 1919 e faleceu em Santa Bárbara - EUA - em 1978. Foi
poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor
universitário. A sua obra de ficção mais famosa é o romance autobiográfico
Sinais de Fogo. De destacar, da sua obra poética, a colectânea "40 Anos de
Servidão" - Moraes Editores - 1978