segunda-feira, maio 30, 2016

DÁ-ME LÍRIOS E ROSAS TAMBÉM - Álvaro de Campos


“dá-me lírios, lírios
e rosas também
mas se não tens lírios
nem rosas a dar-me
tem vontade ao menos
de me dar lírios
e também rosas.
basta-me a vontade
que tens – se tiveres! -
de me dar lírios
e rosas também
e terei lírios
- os melhores lírios! -
e as melhores rosas
sem receber nada, 
a não ser a prenda
da tua vontade
de me dares lírios
e rosas também...”

Álvaro de Campos



sexta-feira, maio 27, 2016

DESTE LADO DA PAISAGEM...


Nada. Absolutamente nada.
Apenas a brancura alva e a ave negra
A corroer por dentro a alma do poeta.
E a dúvida.

E a inesperada lágrima – sal e água –
Que tomba agora sobre a tela...

E alastra. E se derrama sobre a brancura.
E penetra imaculada na vibração
Da alma. Agora água...

E ergue-se tímida. E solfeja
A cor em que se derrama. E se desenha.
E o Espaço-Tempo. E o voo da ave. E o murmúrio
Em que se despenha...

E os olhos são agora apenas água.
Já não lágrima - cor a derramar-se
Como se vida fora.

E deste lado da paisagem
Onde nada acontece. Sal apenas - maremoto de alma.

Manuel Veiga






quinta-feira, maio 26, 2016

"NOTICIAS DE BABILÓNIA e Outras Metáforas" - FEIRA do LIVRO


ZANDINGA NO SEU MELHOR

Esta manhã (26.10.2007), inesperadamente, entrei em estado de choque. Receei pelo meu pobre coração. Mais grave ainda. Receie pelos meus genes, por quem tenho, elevada estima. O caso não é para menos, como compreenderão. Eu explico...

Fiquei a saber, através do “Diário de Notícias”, que “a espécie humana pode vir a subdividir-se em duas”. E melhor que La Palisse, acrescenta o jornal que “as duas subespécies vão dar origem a uma classe superior e a uma inferior”...

Os descendentes da classe superior serão “altos, magros, saudáveis, atraentes, inteligentes e criativos”, enquanto que os descendentes das classes inferiores serão baixos, feios e pouco inteligentes, “uma espécie de goblins” (não sei que raio seja, mas não é certamente coisa boa!). Fundamenta-se o jornal nas últimas descobertas do especialista em evolução(?) Oliver Curry, da London School of Economics...

Entrei em pânico, garanto-vos!.. O meu pânico assumiu foros de catástrofe ao saber que os homens – da classe superior está bem de ver – “vão ter feições mais simétricas, o queixo mais quadrado, a voz mais profunda e o pénis maior...”

Pénis maior, já viram! Querem maior castigo?!... A natureza é madrasta, sem dúvida. Não poderia, ao menos, o pénis ficar fora da distinção de classes?!...

Acalmei quando, em segunda leitura, percebi que o risco é apenas para daqui a cem mil anos e que a espécie humana vai atingir o pico de evolução no ano três mil. Pus-me então a fazer contas, a partir do homo sapiens e dos milhões de anos desde então e suspirei fundo... Afinal, talvez os meus genes ainda se safem e o meu neto – uma terna criança de escassos meses - não esteja condenado a ostentar as orelhas de um goblin...

Fiquei mais confortado quando soube que “vamos mastigar menos” (isto deve ser música aos ouvidos de Sócrates) e “ficaremos com os maxilares menos desenvolvidos e com os queixos mais pequenos”. Pudera!...

E foi já com bonomia que recebi a explicação de que “não podemos prever exactamente o que irá acontecer, mas podemos fazer previsões com base no conhecimento que temos...”. Era o que faltava que não pudéssemos fazer previsões. Não vos parece o máximo rigor científico?!...

Melhor apenas o Zandinga!... Ou o argumento do laureado James Watson, de que bastará reparar num empregado de café para se concluir que os negros não possuem a inteligência dos brancos...

Claro que tudo isto é de gargalhada. Mas não são inocentes estas novidades. Os “fazedores de opinião” batem sempre a mesma tecla, com novos métodos, seguindo a linha do tempo. E a roupagem científica dá sempre jeito...

As fantasiosas mutações genéticas poderão ocorrer apenas daqui a cem mil anos. Mas tão bombásticas revelações são ideologicamente produtivas no presente. Escutem o murmúrio subliminar – as desigualdades estão instaladas na matriz biológica da natureza e inscritas no ADN da Humanidade...

A espécie humana está assim fatalmente condenada a divisão em classes. Já não apenas classe sociais, historicamente superáveis, mas “subespécies vão dar origem a uma classe superior e a uma inferior”, predeterminadas pela natureza...

Perante tamanha fatalidade, cientificamente proclamada, porquê lutar contra as injustiças? A natureza é injusta, porquê então preocupar-nos?!... Não será melhor conformar-nos e adaptarmo-nos ao sistema? E sobreviver, pois claro! Salve-se quem puder...

Há, porém, aqui, um pormenor intrigante. Foi a London School of Economics – uma escola de economia política - a difundir semelhantes teorias sobre a evolução da espécie humana. Compreende-se. A ciência é coisa demasiado séria para ser deixada apenas aos cientistas...

Bem melhor seria, porém, que os “sacerdotes” do mercado e os gurus do liberalismo económico, em vez de especulações à distância de milhares de anos, tomassem consciência do eminente “beco sem saída” que o capitalismo, de que são oficiantes, está a empurrar a humanidade...

 Manuel Veiga

"NOTÍCIAS DE BABILÓNIA e Outras Metáforas" - pág. 85
Edição - Modocromia - Lisboa 2015 

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(Novas) NOTÍCIAS DE BABILÓNIA - I

Havia em Babilónia uma consigna – “O povo é quem mais ordena!...”
Que explodia como uma canção nas ruas. E na garganta dos babilónicos em momentos de euforia...

Hammurabi, o Grande Dissimulador, reveste-se da majestade do Direito e, mefistofélico, saboreando um subtil veneno, captura a consigna: “O Povo é quem mais ordena!..” – proclama, solene, do alto de sua vitória...

E um velho escriba de olhar cansado de tanto ver – “Depois da flor do Direito, a mão pesada da Ordem, se for o caso... Cautela, babilónicos – o Grande Dissimulador disse ao que vinha...”




segunda-feira, maio 23, 2016

QUANDO OS RIOS SECAREM...


Quando os rios secarem e as tempestades
Forem sopro e bálsamo sobre a gretada pele
E a mácula se erguer em flor de inocência
E os olhos magoados forem poema e bailado
E um sorriso enfeitar as linhas do rosto
Como cinzel de límpidas palavras.

E o silêncio se abrir e a música for
Som de cristal. Dedos em movimento subtil
Na vibração da noite. E todos os enganos forem
Festivo encontro...

Inventarei então todos os nomes e
Deporei a pura essência dos dias peregrinos
Em que enlaço e colho o deslumbramento
Como dádiva, transgressão e fonte
Em que ardendo me digo...

Manuel Veiga





domingo, maio 22, 2016

MEU AMIGO ZECA, EMPRESÁRIO..


O meu amigo Zeca, solteirão impenitente, alentejano de Beja, economista do Quelhas e protector de donzelas desvalidas, esteve, no início da carreira, em risco de “ter uma vida boa”, não fora a atracção desmedida pelo sexo fraco, ou talvez mais exactamente, não fora o irresistível fascínio que derrama sobre tudo que é saias. Ironicamente, foram o sapato apertado de uma octogenária senhora e seus sofridos joanetes a causa da sua desgraça, como noutra ocasião vos irei contar, se vier ao caso.

Posto no “olho da rua” da empresa pública, onde, com rasgada visão de futuro, era assessor da administração, o Zeca teve que se virar... Viveu uns tempos dos rendimentos familiares, mas um homem não pode ficar parado toda a vida. Como bem se sabe, a evolução da espécie humana tem sido caprichosa e injusta: o homo faber acabou por dominar o homo eroticus, até mesmo nas naturezas mais refractárias, como é o caso do meu amigo Zeca...

Enfim, depois de uns tempos “à vara”, que é como quem diz, sem outras responsabilidades que não fosse apascentar suas pulsões predadoras, decidiu o Zeca voltar ao trabalho, agora por conta própria, pois era para meu amigo ponto assente, em laudas de juramento lavrado, que “filho de puta nenhum lhe daria mais ordens, nem teria tomates para o despedir...” (sic).

Foi assim que nasceu a pródiga empresa de consultadoria, de que o meu amigo Zeca é sócio fundador e gerente único e cujo volume de negócios está em proporção inversa à respeitabilidade da barriguinha do meu amigo. Quer dizer, agora com o pendor femeeiro mais amaciado, quando a liquidez da empresa o permite, o Zeca relaxa na culinária e na borga e, então, a barriga entra em espiral inflacionária ou, em momentos de crise, com o stress do trabalho, o arredondado da barriga reduz-se à expressão de normalidade mais simples...

Foi, num desses momentos de gloriosa euforia, a última vez que estivemos juntos, no seu espaçoso apartamento debruçado sobre o Tejo, com mais uns pândegos da trupe da Universidade. À volta da mesa, como se deduz, trucidando uns borrachos, que o Zeca sabe estufar como ninguém...

Então, já na fase dos charutos e do conhaque, o Zeca saiu-se com uma das suas hilariantes “estórias”, de que vos dou conta, bem sabendo eu que a cor e o tom se irão perder no percurso entre viva loquacidade do Zeca e a escrita sensaborona a que me acorrento...

Um certo grupo empresarial, a que a empresa do meu amigo Zeca presta apoio na área de auditoria e da fiscalidade, decidiu dedicar-se às energias renováveis, na mira dos propalados apoios comunitários. Feitos os estudos e avaliado o projecto, a que o Zeca esmeradamente se dedicou, foi decido que a fábrica seria instalada no norte do País, por razões óbvias do preço da mão-de-obra e outras vantagens. Escolhido o local, havia que negociar com o Município apoios e contrapartidas. Na data acordada, depois de contactos prévios, luzidia comitiva, ida de Lisboa, deslocou-se ao município em causa, chefiada pelo “chairman” do grupo, um vulto destacado da política e dos negócios...

Dispenso-vos da colorida discrição que o Zeca fez do roliço presidente da Câmara, afiambrado no casaco azul com botões de metal e o inevitável lenço de seda, a aconchegar a dupla papeira. Digo-vos, porém, que antipatia foi fulminante, uma espécie de “coup de feu” invertido, a roçar o verdete da náusea...

Feitas as apresentações, perante o acentuado sotaque alentejano (que aliás o Zeca cultiva com prazer), o Presidente da Câmara, numa prosápia de gelar o amplo salão, fez uma qualquer alusão de mau gosto a moiros e ciganos, que ainda infestam o sul do País. Ora, o Zeca não é homem para se conter, mas não teve tempo para espingardear a resposta adequada. O chairman, com um sorriso felino a rasgar-lhe a face, antecipou-se. Dirigindo-se ao Presidente da Câmara:

- “Mas olhe, senhor Presidente, que aqui, pelo seu Concelho, não faltaram moiros; e, se bem observar, ainda é capaz de encontrar algum por aí disfarçado...”

- “Moiros aqui? No meu concelho? Nunca!... onde raio o senhor foi desencantar semelhante ideia?!"...- apavorou-se o Presidente.

Nessa altura, já o ambiente estava mais distendido. E o chairman, apontado para a bandeira do Município, imponentemente exibida, entre a bandeira da República e a bandeira da União Europeia:

- “Basta olhar para a bandeira do Município...” – sublinhou, alargando o sorriso...

E o outro, a ficar apopléctico:

- “A bandeira do Município? Mas que tem a bandeira?

- “Não tem nada que não deva, senhor Presidente! É aliás – acrescentou diplomático – uma bonita bandeira! Mas não deixa por isso de ostentar, no brasão, o crescente muçulmano!...”

E, com a gargalhada a estender-se pela sala, rematou:

- “Ora, se os moiros não andaram por este concelho que faz o crescente muçulmano nas suas nobres insígnias?"...

Aquilo era demais, convenhamos - virem, assim uns bárbaros sulistas a dar lições de história local!... Suprema humilhação!

O distinto Presidente, como quem apanha um murro no estômago, titubeou, mas não se deu por vencido. Saiu da cadeira, sibilando – “essa agora, essa agora!”. Fez minuciosa análise à bandeira e, perante a contrariedade da evidência, saltou para o telefone e, ante a perplexidade dos circunstantes, exclamou:

- “E eu que nunca tinha dado por isso!...Mas já vou tirar tudo a limpo”...

Bamboleando as nádegas, tal odalisca fora de prazo, o Presidente atravessou a sala em direcção ao telefone. Do outro lado, titubeante, o vereador da Cultura replicando à pergunta inesperada:

- “Moiros?!... Se houve moiros no concelho?!”- titubeia o vereador.
- “Sim. Moiros no concelho!... Que sabes tu disso?!...” – insistiu ansioso o Presidente.

E tapando o telefone, enquanto aguardava, expectante, a resposta que se adivinhava frustrada, o Presidente alargou o olhar aos circunstantes e, em desabafo contido:

- “Tanto que me bati para nomear este gajo como vereador da Cultura e querem ver que não sabe se existiram moiros no Concelho...”

E, de facto, depois de uns momentos de silêncio constrangedor, pressentindo-se em ebulição os (parcos) neurónios do vereador, chegou a resposta, embrulhada em titubeantes desculpas: que não, que não sabia! e nem nunca lhe constara terem havido moiros no Concelho... Mas se ele, Presidente, assim o desejasse, dentro de momentos a Dr.ª Filomena, directora dos Serviços Culturais, estaria na sua presença para completa elucidação do assunto.

- “Manda-me cá essa gaja... “ - ordenou o Presidente, em voz de falsete e tom desabrido, suspeitando-se pelo esgar a enorme contrariedade que a presença da Directora lhe provocava.

Ainda o charmain insistiu, cerimoniosamente, ansioso seguramente por entrar no assunto que ali os trazia para o "Presidente não se incomodasse..., que não valia a pena... que por certo a Presidente tinha toda a razão e que nunca por ali houvera moiros... que a sua leitura das insígnias municipais assentava, por certo, nalgum equívoco de alguém que não era especialista...”:

Mas o Presidente foi peremptório:

- “Não! Agora faço questão! Este assunto tem que ficar esclarecido. Eu não sou homem para deixar para depois o que pode ser resolvido já!... “

Entreolharam-se os circunstantes, aceitando o destino com bonomia, bem sabendo eles que se “Paris vale bem uma missa” também os interesses económicos em jogo justificavam os desconchavos de um Presidente da Câmara...

O silêncio, cortado pelos olhares cruzados e os sorrisos contidos dos visitantes, foi entretanto interrompido por um discreto toque na porta e a entrada triunfal da Dr.ª Filomena, uma balzaquiana espampanante, emoldurada em tailleur laranja, sobre o qual se derramava uma opulenta cascata de cabelos negros, longos e encaracolados.

Afogueada e empenhadíssima, no alto de seus tacões, lançou sobre a sala, povoada de ilustres forasteiros, soberbo olhar famélico, em jeito de leoa que, na floresta, tivesse detectado, plena de lascívia felina, a novidade da caça... “Uma lua crepitosa em noite quente e plena de Agosto”, como o Zeca, em arroubo poético, distinguiu a aparição!...

Porém, sobre “quarto crescente” nas insígnias municipais, a Dr.ª Filomena prestou uns esclarecimentos confusos. Que talvez sim, ou talvez não, que a única hipótese admissível era a de que os cruzados, nos tempos da reconquista, terão atravessado o concelho; ora, como se sabe, onde há cruzado há moiro, logo é possível que ...

Nesta fase da erudita explicação, quiçá prolixa, o Presidente pigarreou e, sardónico, soltou o chicote de seu falsete, zurzindo, impiedoso, o denodado esforço da Dr.ª Filomena que, com manifesto prazer, exibia seu charme e sua erudição...

- “Ó doutora, deixe lá essa treta dos cruzados!... A questão e simples e clara: houve ou não moiros no concelho? É que se não esclarece esta magna questão, a mim e aos nossos visitantes, terei de concluir que não passa de uma burra com saias...”

O silêncio, até então oscilando entre o divertido e o enfado, gelou. A “pobre” doutora ainda ensaiou uma desculpa qualquer e, em sua fragilidade de vítima de um mais que evidente erro de casting, teve a ousadia de invocar a penúria do orçamento municipal para actividades culturais.

Antes o não fizera:

- “Ó sua... ó sua... incompetente! Pois atreve-se?!...” - casquinou o Presidente, qual cascavel cuspindo veneno - “eu não lhe admito, ouviu?! ... As minhas ordens são para cumprir, não para discutir!...”

E, colérico, com o dedinho roliço espetado:

- “Trate de saber imediatamente se houve moiros no concelho, antes que a reunião termine e estes senhores partam. Era o que me faltava!...”

E, descorçoado, atirando-se para o presidencial cadeirão: - “Estou rodeando de incompetentes!...”

Era demais!... Como poderia o Zeca, fulminado que fora pelos "crepitosos prenúncios" do vulcão pronto a explodir, aceitar o vexame aquele soberbo exemplar do “sexo fraco”?

Reagiu, portanto...

E perante a surpresa dos presentes e a apreensão do chairman, que sobretudo velava pelo bom resultado da diligência que ali os trazia, o Zeca insinuou-se .

- “Ó senhor Presidente, tenho uma sugestão para resolver as preocupações, que nós inadvertidamente provocámos: o senhor presidente coloca no estandarte do Concelho o imponente menir que daqui se avista e nós levamos connosco a malfadada meia lua dos mouros.”

Referia-se o meu amigo Zeca a um desse monumentais falos pré-históricos apontados ao Céus, que abundam no país rural e que, no caso, decorava a entrada dos Paços do Concelho, ao alcance do olhar através da janela aberta.

A insólita proposta apanhou todos de surpresa. E intrigados entreolhavam-se. Apenas as longas pestanas da Dr.ª Filomena se moveram para o Zeca, num doce e cúmplice pestanejar, prenhe de promessas...

Entretanto, os sorrisos abriam-se, no rosto dos “bárbaros” visitantes sulistas. E, após fecunda ponderação, para pasmo dos presentes, o Presidente, confiando o queixo, exclamou em exaltada anuência.

- “Ora aí está uma sugestão a ter em conta...”

Depois de firmado o contrato, já de regresso a Lisboa, o chairman para o Zeca:

- “Francamente, Zeca! Você é um exagerado! Um menir, hã? Não lhe bastaria um bom boneco do Bordallo?! ...
.................................................
 Num encontro recente o Zeca anunciando-me que, no concelho em causa, as últimas eleições autárquicas foram ganhas mais uma vez pelo presidente de sempre. Que o contrato vai de vento em pompa. E que, assim, as suas visitas ao norte irão continuar.

Para proveito próprio e alegria da “competentíssima” Dr.ª Filomena que tem dado sobejas provas de seu talento...

Um sortudo, meu amigo Zeca, não acham?



sexta-feira, maio 20, 2016

DOIS CORPOS NUS, DESPINDO-SE - Pura Salceda / Casimiro de Brito



Pó de estrelas
Universos nas mans
Na palabra queimando
Nun substantivo único
Que fala de ti
Só de ti

Escoito a noite
Que me fala noutra voz antiga
Coróame de rosas, murmura Ricardo Reis
E somos entregándonos
Eternos pétalos de lume...

Pura Salceda



O amor é uma nuvem alta
Uma sombra que se deita
Na relva do coração. Um coração
Que freme: um lume
Uma desordem sensível
Que alimenta os anjos ofegantes
Do corpo.

Contigo me desfaço
E canto e bebo e ardo e brilho
Na tua pele, nas tuas árvores
Interiores e nas cicatrizes
Que se elevam
Quando nos amamos e ao chão
Trepamos.

Casimiro de Brito


Casimiro de Brito/Pura Salceda
"Dois corpos nus, despindo-se" - Poética Edições - pág. 42/43
Lisboa - Maio 2016



Uma breve ausência, breve, breve...
M.V.

terça-feira, maio 17, 2016

UM ACASO DE COR, UM SOM INESPERADO


São, por vezes, compassivos ou deuses
E, em seu arbítrio, permitem a glória de seu rosto.
E sonhos de Eternidade...

Incautos então os homens se incendeiam
Fogos-fátuos de intenso brilho a atravessar
O Universo. E a arder em Desejo fugidio.
E se esgotam em inútil bater de asas.

E nesse percurso de solidão e morte talvez
Um acaso de cor, ou um som inesperado,
Ou um clarão mais intenso sejam lenitivo.
Ou sejam queda. Ou novo ritmo.
E regresso ao barro.

E talvez os deuses ignorem...

E o delírio passageiro se erga e ganhe forma
Inesperada. E Eros reine (breve que seja).
E amor seja florescência consumada.

E o sonho expluda. E as estrelas se percam
Em fantasmagórico bailado.

Manuel Veiga





domingo, maio 15, 2016

MEU AMIGO ZECA e as Intelectuais...


Dona Ludovina que, em sua solicitude, o guiara, à chegada, nos meandros da Agência e, na generosidade de sua carne exuberante, velara pela educação sentimental do Rapaz, levou também muito a peito o robustecimento do seu espírito. Foi assim que o introduziu numa “selecta tertúlia” (palavra de Ludovina), depois de rasgados encómios ao seu (dele) talento literário.

Pontificava no grupinho um casal, recentemente regressado de Paris, onde no rescaldo de todos os Maios, proclamava, em beatitude, que a História estivera ali mesmo, na polpa de seus dedos. Ele era um homenzinho baixo e enfezado, a rondar os quarenta anos, de careca reluzente e de pêlos indiscretos, no nariz e nas orelhas. A barriga empinada e as pernas curtas emprestavam-lhe um ar de aranhiço prestes a armar a teia. O olhar líquido e redondo, por detrás de uns óculos de tartaruga, acentuavam-lhe a famélica postura da aranha à espera da presa...

O homem, porém, quando a cerveja escorria, de tudo falava. Nem era necessária plateia. Conhecia todos os argumentos. Entre os existencialistas e marxistas (peleja fora de moda, dixit) tomava naturalmente partido pelos primeiros. Discorria com ardor sobre o “nouvau roman”. O cinema e a “nouvelle vague” não tinham segredos. Também os estruturalismos de todos os matizes. Tratava por tu Althusser, Lacan, Foucault, Derrida.

O homem era nitidamente um semiótico!...

A rapariga, - Cléo para os amigos - bastante mais nova, vivia em permanente devoção. Acendia-lhe os cigarros. Colocava o açúcar no café. Mexia e remexia. Carregava os jornais. Assinalava os artigos e notícias de interesse. Sacudia-lhe a caspa dos ombros. E eu sei lá o que mais não lhe faria!...

A moça era engraçadota, mas fisicamente desleixada, como era chic na sua condição. Num caderno sebento, de folhas azuis e linhas, escrevia seus poemas, onde quase sempre “a alma se encandecia nas torpezas do saber...”

Aconteceu que, um dia, o Rapaz, depois da Agência, na sua passagem pela leitaria, deparou com a Cléo sozinha, na mesa habitual. Explicadas as razões e, depois de minutos de conversa, palavra puxa palavra, olhar pede olhar, a ocasião faz o ladrão e estavam os dois falando de... amor e sexo. E ela categórica “comigo não te vale a pena não presto na cama” e ele a dar-lhe “não há como experimentar” patati...patati...patatá e ela não se fez rogada e ele que não pensava noutra coisa há semanas, meu dito meu feito e meia hora depois estavam os dois na cama.

O Rapaz, que passara com distinção no estágio com Dona Ludovina, usou de todo arsenal de recursos aprendidos e inventou outros. A Cléo, porém, nada! Nem um gemido, nem um movimento, nem uma carícia, nem um esgar, nem uma palavra de estímulo, nem um fingimento. Nada, literalmente nada!... Um corpo inerte e amorfo. Apenas os olhos se reviravam nas pálpebras em cada assalto (frustrado, naturalmente).

Digam-me lá, se por mais esforçado e maior o talento do jovem, alguém numa situação daquelas, sem o mínimo de abnegada colaboração por parte da Cléo, poderia resistir e completar a fixação erótico sexual em que durante semanas discretamente mergulhara e o dispersavam do apuramento da escrita e das exigências do fulgor literário? Pois bem, o Rapaz desistiu. Ela bem avisara, mas o rapaz jamais lhe perdoou e desistiu. E nunca mais compareceu ao chamamento da Literatura, de que Leitaria era Templo e cenáculo de saber e cultura. Para arrelia de Dona Ludovina, que bem buscava razões que nunca soube.

Agora, à distância, o Rapaz julga ter sido, no tamanho daquela frustração literário-erótica que ficaram, definitivamente, soterradas suas promissoras veleidades literárias. Outro fora o desempenho sexual da Cléo e outro teria sido o destino do jovem, hoje, certamente, autor consagrado. Assim, está claro, por causa de semelhante embaraço estético erótico, a Pátria perdeu um intelectual eminente e a Literatura (com maiúscula) um epígono dos maiores. Um outro prémio Nobel, quiçá!...

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Tempos depois, o Rapaz contou a cena ao seu amigo Zeca, alentejano de Beja, solteirão impenitente, “bon vivant” e economista do Quelhas, como faz questão de acentuar:

- “É bem feito! Quem te manda a ti frequentares intelectuais?!” - Soltou numa gargalhada! - “Não sabes que as mulheres para a cama devem ser burras?”

O Rapaz embatocou. Mas passados uns momentos, já recomposto, meio sério, meio a rir, perguntou:- “E se forem burras e intelectuais?”

- “Então é a desgraça completa! Não te invejo a sorte!...” – rebolou-se o Zeca, babado de gozo...

O meu amigo Zeca é um tipo bem caçado, reconheçam!...




sexta-feira, maio 13, 2016

CONSELHO PORTUGUÊS PARA A PAZ E COOPERAÇÃO - Solidariedade com o Brasil e a América Latina




O Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), a Associação de Amizade Portugal-Cuba (AAPC) e a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN) organizam uma sessão pública de solidariedade com a América Latina que contará, para além de intervenientes destas organizações, com a participação de deputados de países latino-americanos.

Casa do Alentejo - Lisboa - Terça-Feira - 17 de Maio - 19 horas

Participa. Divulga.

Ver - CPPC

quarta-feira, maio 11, 2016

NA DECIFRAÇÃO DOS DIAS ...


Na oculta linha onde todos os rostos se perfilam
Mar de sombras e inesperadas claridades
Nesse ínfimo átomo convexo onde a luz
Colapsa e de tão breve
Explode...

E a noite se ilumina em metamorfose de cinzas...

Nessa desértica alvura onde os ventos se soltam em fúria
E germina o latir dos sons. Bárbaros ainda.
Na gesta inaugural da Palavra a arder na boca
Em labareda. Como sarça.
Rítmica.

E na dança hermética das caligrafias. E na decifração dos dias.
Impressivos. Como voo da flecha em sua presa.

Aí na ara do tempo consumado. E no impoluto sangue
Das vítimas. Ergo o veneno e a taça. E bebo o fel.
E solto o grito. Como fecundo parto
De ervas tímidas. Ou o pulsar
Dos punhos.

Ou o eco das horas. E das pétalas...


Manuel Veiga

"Do Esplendor das Coisas Possíveis" - pág. 80 
POÉTICA EDIÇÕES - Lisboa Abril 2016


sexta-feira, maio 06, 2016

RUBRAS FLORES NO CAMINHO...


Nos caminhos que nos habitam. Inesperados.
Irrompem por vezes rubras flores. Em cada passo.
E fincam raízes por entre pedras. As flores.
E se dobram soberbas
E se amaciam...

E dóceis se acolhem nas margens.
E na penumbra.
E colhem os ventos.
E explodem solstícios.
E no horizonte se derramam
Como galeras de um sonho.
E fervem no olhar
Como eternas ilhas.

E flor-bacantes
Se vestem de perfumes
E se incensam. E excessivas se incendeiam.
E gritam seus clamores.

E no altar em que se imolam são ainda
A inocência pura. E imaculada espera.
Gota de água em que soberanas
Se fecundam...

Breves que sejam. Flores carnívoras.
Ou perene que seja o deslumbramento
Que anunciam.


Manuel Veiga


quinta-feira, maio 05, 2016

"FECUNDAS SÃO AS RAÍZES"



Fecundas serão as raízes no coração dos homens
Onde a delicada flor se incendeia
E as bocas ardem na busca milenar
Dos dias solares...

Então as espadas serão apenas ondulantes flâmulas
No olhar festivo das crianças.

E a justiça o gesto puro de colhê-la.

Antes porém será o cântico da terra revolvido.
E o sangue e a raiva.
E mil abris desfeitos.

E os ventres inflamados da fome.

E o grito das flores decepadas pelo caule
E os dias ardidos.
E o voo quebrado das asas.

E todas as estradas de Damasco
E a aridez dos desertos.

A vertigem dos sons virá, porém, atroar os ares
Como trombetas percursoras da grande catástrofe
Onde se desempenhem os deuses e heróis.
E a luz e as trevas.

E o negrume e sedes de agora.

E toda a História será vã.
E todos os símbolos.

Fecundas serão nesse lance as raízes.
E a Pátria dos homens e o ardente coração
Das trevas. Resgatadas.


Manuel Veiga
"Do Esplendor das Coisas Possíveis"
pág.58 - Poética Edições
Lisboa - Abril 2016


terça-feira, maio 03, 2016

Nada de Novo no Horizonte da Palavra



A meus amigos


No sopro de meus dedos todas as glórias
(Que nestas letras se misturam deuses e criaturas)
Barro que tem reflexo de alturas
Onde germina o Corpo, o Tempo e o Modo.

Infinito-Presente que de tão breve é já Futuro.

Nada de novo no horizonte da palavra que respiro
Pois nada de mim se arrasta neste parto.
Sou além de mim – sou queda e brado!
Partitura que por capricho ou ledo engano
Na música se esvai correndo como o pano
Que aberto se fecha sobre palco festivo...

Promessa mil vezes adiada.
Não me lamentem porém os que de mim colhem
A flor de meus desejos.

Que no bosque esperançoso em que incauto teimo
Sou vereda e água – e a palavra sussurrada –
E o vento em cópula de Outono
Sobre as árvores...

Manuel Veiga

"Poemas Cativos", pág.11 - Poética Edições - Lisboa 2014






Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...