Confesso a minha resistência psicológica
em tratá-lo por “Álvaro”, nome com que pretende entrar nos anais da história
pátria, ao que consta. As razões da minha resistência, se exceptuarmos os seus
prosélitos, são evidentes – o nome que ostenta tem uma dimensão que
pessoalmente o ultrapassa.
Estive, por isso, tentado a nomeá-lo por
“Alvarinho”, mas ocorreu-me a marca do excelente vinho verde e conclui que
também não merece esta aproximação. Presumo que o senhor, peso pesado e
“mercenário dos mercados”, em matéria de vinhos, será mais pelo carrascão
martelado…
Por momentos, ponderei também se deveria designá-lo por “Alvarito”, nome mais conforme com as travessuras do
pastel de nata e com as finezas de Belém, mas lembrei-me das “frechadas”
certeiras que ultimamente o têm assediado e desisti. Afinal, que contributo
poderia este modesto escriva dar para tão empolgante tarefa de equilibrar a
balança de transacções correntes, mediante o pastel de nata? A excelência da
ideia esgota todo o universo de outras possibilidades…
Fica, pois, para minha contrariedade,
consagrado como “o Álvaro”, como pretende, mas não me levará a mal que o trate,
por V. Ex.ª, que está mais no meu jeito de homem cordato. Aliás, como diria o
outro, os nomes são como os chapéus – nem todos assentam bem em qualquer
cabeça…
Mas, enfim, o que verdadeiramente me
traz à liça, não é tanto a trama e o “peso” de seu nome, mas antes o pletórico
entusiasmo com que se propõe, mediante as peripécias da concertação social, dar
“novos mundos ao mundo”, quer dizer, “uma lição ao mundo e aos mercados…”
Terá V. Ex.ª razão em estar eufórico. A
assinatura dessa coisa a que chama enfaticamente “Compromisso para a
Competitividade e o Crescimento” vale bem os “trinta dinheiros da traição”,
quer dizer, os trinta minutos de trabalho diário sem retribuição (trabalho de
escravo, portanto) que foi obrigado a engolir. Por força da combatividade dos
trabalhadores e da sua luta - é bom que se diga - e não por efeito das proclamadas
virtualidades da concertação social.
Quanto ao resto, bem pode V. Ex.ª e seus
acólitos da UGT, limpar as mãos à parede. Uma verdadeira fraude aos
trabalhadores, que em vez de meia hora de trabalho diário são agora obrigados a
um maior número de dias de trabalho. Um “compromisso” leonino, portanto, que
proclama como o alfa e o ómega da dita
competitividade das empresas a diminuição dos custos salariais, o aumento
do dias de trabalho e a facilitação dos despedimentos com menores custos de
indemnização. Isto é, tornar os despedimentos livres e baratos…
Um retrocesso social inaudito, que tem
no seu âmago razões ideológicas bem nítidas. A direita fundamentalista e as
forças do capital nunca se conformaram com a perda de algumas parcelas de poder
político e social, após a revolução de Abril e com a conquista de direitos
económicos e sociais pelos trabalhadores…
Trata-se, assim, sob a capa da crise e o
pretexto do crescimento da economia, de um ajuste de contas com Abril…
Poderá, portanto, V. Ex.ª embasbacar o
mundo e os mercados, com seu “Compromisso para a Competitividade e Crescimento”
e perfilar-se perante o espelho, pleno de auto satisfação. Os combates pela
História, no entanto, forjam-se noutras instâncias e com homens de outra
têmpera…
Como escreveu outro Álvaro, que V. Ex.ª
ouviu falar, mas cuja obra lhe causa calafrios (andam “fantasmas” por aí), “dos homens consequentes, daqueles cujos
propósitos permanecem intactos, através das mais duras provas, daqueles que
sabem sofrer sem desfalecimentos os golpes mais mortais, podem esperar combate
sem tréguas. Combate oferecido, apesar de terem à sua frente todas as
dificuldades de quem luta em terreno inimigo. Forçados por vezes ao
“déguisement”, outras à prudência, outras ao silêncio. A
história já decidiu quem vencerá”. (A. Cunhal – in “Obras Escolhidas – I
Volume).