sexta-feira, novembro 30, 2012

CARTA ABERTA AO 1º MINISTRO

 
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,
 
Os signatários estão muito preocupados com as consequências da política seguida pelo Governo.
À data das últimas eleições legislativas já estava em vigor o Memorando de Entendimento com a Troika, de que foram também outorgantes os líderes dos dois Partidos que hoje fazem parte da Coligação governamental.
O País foi então inventariado à exaustão. Nenhum candidato à liderança do Governo podia invocar desconhecimento sobre a situação existente. O Programa eleitoral sufragado pelos Portugueses e o Programa de Governo aprovado na Assembleia da República, foram em muito excedidos com a política que se passou a aplicar. As consequências das medidas não anunciadas têm um impacto gravíssimo sobre os Portugueses e há uma contradição, nunca antes vista, entre o que foi prometido e o que está a ser levado à prática.
Os eleitores foram intencionalmente defraudados. Nenhuma circunstância conjuntural pode justificar o embuste.
Daí também a rejeição que de norte a sul do País existe contra o Governo. O caso não é para menos. Este clamor é fundamentado no interesse nacional e na necessidade imperiosa de se recriar a esperança no futuro. O Governo não hesita porém em afirmar, contra ventos e marés, que prosseguirá esta política - custe o que custar - e até recusa qualquer ideia da renegociação do Memorando.
Ao embuste, sustentado no cumprimento cego da austeridade que empobrece o País e é levado a efeito a qualquer preço, soma-se o desmantelamento de funções essenciais do Estado e a alienação imponderada de empresas estratégicas, os cortes impiedosos nas pensões e nas reformas dos que descontaram para a Segurança Social uma vida inteira, confiando no Estado, as reduções dos salários que não poupam sequer os mais baixos, o incentivo à emigração, o crescimento do desemprego com níveis incomportáveis e a postura de seguidismo e capitulação à lógica neoliberal dos mercados.
Perdeu-se toda e qualquer esperança.
No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa.
O Governo, num fanatismo cego que recusa a evidência, está a fazer caminhar o País para o abismo.
A recente aprovação de um Orçamento de Estado iníquo, injusto, socialmente condenável, que não será cumprido e que aprofundará em 2013 a recessão, é de uma enorme gravidade, para além de conter disposições de duvidosa constitucionalidade. O agravamento incomportável da situação social, económica, financeira e política, será uma realidade se não se puser termo à política seguida.
Perante estes factos, os signatários interpretam – e justamente – o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência, para que o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências.
                        É indispensável mudar de política para que os Portugueses retomem confiança e esperança no futuro.
PS: da presente os signatários darão conhecimento ao Senhor Presidente da República.
 
Lisboa, 29 de Novembro de 2012
 
MÁRIO SOARES
ADELINO MALTEZ  (Professor Universitário-Lisboa)
ALFREDO BRUTO DA COSTA (Sociólogo)
ALICE VIEIRA (Escritora)
ÁLVARO SIZA VIEIRA (Arquiteto)
AMÉRICO FIGUEIREDO (Médico)
ANA PAULA ARNAUT (Professora Universitária-Coimbra)
ANA SOUSA DIAS (Jornalista)
ANDRÉ LETRIA (Ilustrador)
ANTERO RIBEIRO DA SILVA (Militar Reformado)
ANTÓNIO ARNAUT (Advogado)
ANTÓNIO BAPTISTA BASTOS (Jornalista e Escritor)
ANTÓNIO DIAS DA CUNHA (Empresário)
ANTÓNIO PIRES VELOSO (Militar Reformado)
ANTÓNIO REIS (Professor Universitário-Lisboa)
ARTUR PITA ALVES (Militar reformado)
BOAVENTURA SOUSA SANTOS (Professor Universitário-Coimbra)
CARLOS ANDRÉ (Professor Universitário-Coimbra)
CARLOS SÁ FURTADO (Professor Universitário-Coimbra)
CARLOS TRINDADE (Sindicalista)
CESÁRIO BORGA (Jornalista)
CIPRIANO JUSTO (Médico)
CLARA FERREIRA ALVES (Jornalista e Escritora)
CONSTANTINO ALVES (Sacerdote)
CORÁLIA VICENTE (Professora Universitária-Porto)
DANIEL OLIVEIRA (Jornalista)
DUARTE CORDEIRO (Deputado)
EDUARDO FERRO RODRIGUES (Deputado)
EDUARDO LOURENÇO (Professor Universitário)
EUGÉNIO FERREIRA ALVES (Jornalista)
FERNANDO GOMES (Sindicalista)
FERNANDO ROSAS (Professor Universitário-Lisboa)
FERNANDO TORDO (Músico)
FRANCISCO SIMÕES (Escultor)
FREI BENTO DOMINGUES (Teólogo)
HELENA PINTO (Deputada)
HENRIQUE BOTELHO (Médico)
INES DE MEDEIROS (Deputada)
INÊS PEDROSA (Escritora)
JAIME RAMOS (Médico)
JOANA AMARAL DIAS (Professora Universitária-Lisboa)
JOÃO CUTILEIRO (Escultor)
JOÃO FERREIRA DO AMARAL (Professor Universitário-Lisboa)
JOÃO GALAMBA (Deputado)
JOÃO TORRES (Secretário-Geral da Juventude Socialista)
JOSÉ BARATA-MOURA (Professor Universitário-Lisboa)
JOSÉ DE FARIA COSTA (Professor Universitário-Coimbra)
JOSÉ JORGE LETRIA (Escritor)
JOSÉ LEMOS FERREIRA (Militar Reformado)
JOSÉ MEDEIROS FERREIRA (Professor Universitário-Lisboa)
JÚLIO POMAR (Pintor)
LÍDIA JORGE (Escritora)
LUÍS REIS TORGAL (Professor Universitário-Coimbra)
 
(e outras dezenas de personalidades da vida política, cívica e intelectual portuguesa)
 

terça-feira, novembro 27, 2012

FLORES EM TEU REGAÇO?...


Vicejam flores em teu regaço?
Espalha-as em qualquer terreiro ou tece grinaldas
Na fronte curvada dos vencidos...
 
Como o perfume das rosas
Derramado nos espinhos...
 
Coroa que se rasga em dor no corpo insano...
 
E de permeio...
 
Colhe apenas a diferença subtil da perda
(ou daquele ganho) – que a hora passa!
 
Agora...

domingo, novembro 25, 2012

FUNDAMENTOS DE UMA VIDA OUTRA...

 
 
No seu aparato, o poder mediático reveste-se das suas próprias liturgias de poder, não apenas pelo seu papel social (e a quem serve), mas porque como verdadeiro poder é visto pela sociedade, que o identifica como algo superior, definidor da realidade, revelador da verdade e criador de mitos, celebridades, que alimentam o imaginário colectivo.
 
A especificidade da questão é que o poder mediático se realiza numa espécie de “submissão voluntária”. A interiorização subjectiva dos modelos e comportamentos sociais e, sobretudo, a interiorização do “olhar do outro”, que o poder mediático exponencia, transforma cada indivíduo concreto no seu próprio vigilante.
 
O temor interiorizado “do que os outros vão pensar” (por não se frequentar tal o tal meio, conhecer a vida de tal celebridade, usar tal marca de vestuário, etc. etc.) constitui motivo de submissão voluntária à ordem estabelecida e ao consenso social, ou seja, constitui um poderoso e subtil elemento de sustentação (pela inércia) do sistema de poder.
 
Como romper o cerco?
 
Importa acentuar que, como indica Marx, a história é construída a partir das condições existentes e que a superação de uma formação social passa necessariamente pela identificação das manifestações próprias do respectivo poder.
 
Acontece que, desde o início das sociedades modernas, os meios de comunicação contribuíram decisivamente para a construção e a modulação das formas de pensar e os comportamentos dos indivíduos e para a consolidação das sociedades capitalistas modernas. Como se sabe, um dos traços fundamentais do mundo contemporâneo é exactamente o inesgotável fluxo de imagens e de conteúdos simbólicos, que conformam a realidade, as relações sociais e a subjectividade individual.
 
A realidade exige assim que os cidadãos saibam lidar com a espectacularidade da informação que invadem diariamente a vida quotidiana e com o impacto do fluxo acelerado de informações, imagens e acontecimentos, que os envolvem. Saber interpretá-los e dar-lhe um significado será uma forma de exercício do poder por parte dos cidadãos, que irá contribuir seguramente para destruturar os poderes dominantes.
 
Assim, importará ter presente que, se é verdade que somos produtos da sociedade, também somos nós, cidadãos, os produtores da sociedade que almejamos. Não somos meras marionetas de um jogo de forças, nem meros expectadores dos embates dos diversos poderes.
 
Cada um de nós é co-autor da trama em que os poderes se tecem. E, portanto, o nosso silêncio e passividade, ou a nossa acção decidida irão contribuir para manter ou alterar o estado das coisas.
 
Afinal, onde “há poder há resistência”. E toda a resistência cria por si novas “formas do poder-saber”.
 
Quer dizer, fundamentos de uma vida-outra...
 

segunda-feira, novembro 19, 2012

Da Visita da Tia Rica às Receitas da "Santinha"...

 
 
O meio social dos tempos da minha infância era povoado por figuras-tipo que, pela sua “densidade sociológica” se impunham, conformando comportamentos e atitudes, ou abrindo espaço ao pícaro e ao grotesco.
 
Nessa diversificada galeria de tipos sobressaia a “tia rica” e, noutro polo, a “santinha”, imune aos apelos da carne e muito amiga dos pobrezinhos. Apesar das óbvias diferenças de perfil sociológico, completavam-se na especiosa tarefa de velarem pela ordem social e a defesa dos bons costumes.
 
De vez em quando, sobretudo em tempos de festa e celebração colectiva, soltavam-se, porém, os diabos da transgressão e, então a “santinha” e a “tia rica” eram o alvo privilegiado da galhofa da garotada e do acinte dos adultos. Que ambas suportavam contrafeitas e vago azedume, por amor a Deus e desconto dos seus (delas) pecados...
 
A “tia rica”, como se deduz, era abastada de terras e cabedais, geralmente solteirona e autoritária, que no amanho das terras e no comando dos serviçais, sublimava as agruras da castidade, sendo, porém, que não se livrava da fama de meter entre os lençóis, qual Messalina rural, os criados e jornaleiros mais afoitos e avantajados.
 
Enfim, contos de outras vozes, apenas sussurradas e, certamente, despeitadas por alguma afronta mal sarada...
 
Sabido de ciência certa era que, naquele tempo, no espaço social da minha aldeia, não mexia folha, nem cantava pássaro nas árvores, sem autorização da “tia rica”. De facto, em sua volta da excelsa senhora, girava densa teia de clientelas, que ela administrava com habilidade e lhe permitia sustentar o seu poder.
 
Nessa estratégia de domínio, extraia a maior fecundidade da sua situação de celibatária, que lhe permitia fazer afilhados até aos limites das povoações vizinhas e, assim, aumentar “extramuros” a sua rede de influências.
 
Claro que levar criancinhas à pia baptismal trazia o seu ónus, obrigações de que não poderia descartar-se. E, assim, a “tia rica” todos os anos cumpria o seu ritual de visitas à numerosa prole de afilhados, levando no regaço não pão, nem rosas, mas coisa nenhuma. Enfim, digamos, meia dúzia de rebuçados e umas fugidias festas na cabeça das criancinhas.
 
Quer dizer, uma mão cheia de promessas. E a consagração do “bom comportamento” dos infantes apadrinhados e suas famílias...
 
Como vos referi, surgindo nesse recanto da minha memória, a figura da “santinha”, noutro plano. Embiocada, sempre de negro, zeladora da salvação das almas, intriguista e maledicente, toda ela ardia no temor de Deus e no amor aos pobrezinhos.
 
Por vezes tinha visões místicas. E no alvoroço de tamanha santidade, recomendava aos crentes que, na benfazeja caridade, deveriam dar aos pedintes apenas pão negro, porquanto era habituá-los mal “favorecê-los” com o alvo pão de trigo...
 
Bem sei que hoje os tempos são outros. Mas desde há uns escassos dias a esta parte, no mesmo contexto temporal, ficamos todos esclarecidos sobre as viagens “à parvónia” da “tia rica” e, noutro plano, esclarecidos também sobre as virtudes da pobreza, que nos inibem de comer bifes para não ficarmos mal habituados...
 
Afinal o meu País (a Europa? O Mundo?) são os “os sinos da minha aldeia”, de que fala o Poeta. Ainda...
 
Fotos:
1 – “Público”
2 – Georges Dussand – in “Trás-os-Montes”
 
 

segunda-feira, novembro 12, 2012

UMA LIÇÃO (PRÁTICA): sobre "Césares fugitivos"...



A Verdade Unifica
 
"Amigos, gostaria que soubésseis a Verdade e a dissésseis
Não como cansados Césares fugitivos: Amanhã vem farinha!
 
Mas como Lenine: Amanhã à noitinha
Estamos perdidos, se não...
 
Ou como se diz na cantiguinha:
 
Irmãos, com esta questão
Quero logo começar -
Da nossa difícil situação
Não há que escapar.
 
Amigos, uma forte confissão
E um forte SE NÃO!... “
 
 
Bertold Brecht – “Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas” - Tradução de Paulo Quintela

quarta-feira, novembro 07, 2012

INQUIETANTES DIAS SEM MEMÓRIA...


Inquietantes os dias sem memória
Como se o magma em que se despenham
Fosse apenas mar de sargaços.
 
E o sol que das cigarras tem o canto
Fossem pingos de chuva. Gelados.
E as bocas fossem apenas grito sufocado. E o cântico
Vazio das almas saturadas...
 
Ou fossem vãos desertos
Das portas...
 
Caminhamos injustiças como quem apascenta
Descuidados rumores da fome. E (des)esperamos
Que nesta auréola de frio escorra o sémen
Das horas. E germine a vibração do tempo...
 
Incertas as praças. Prenhes embora de couraçados.
E auroras faiscantes...
 
Lá longe o farol clama.
Na intermitência das dores. E dos relâmpagos...

PRÉMIO DARDOS...

 
Dois blogs que muito aprecio - GISA e  SÃO - tiveram a gentileza de atribuir o "PRÉMIO DARDOS", ao blog que subscrevo. A distinção vem envolvida em adjectivos que muito me desvanecem, mas não posso dar continuidade ao jogo, como o regulamento propõe.
 
De facto, não visam meus textos senão o gosto em escrevê-los, o interesse e a benevolência de quem os possa ler e o prazer de partilhar ideias e emoções.
 
Espero assim ser compreendido pelas duas amigas, as quais apresento os meus agradecimentos e reafirmo o gosto em frequentar os seus blogs e tê-las como leitoras assíduas.
 
 

sexta-feira, novembro 02, 2012

PRODUZIR RESISTÊNCIAS...



 Rumor de indizível magna sob a língua.
Ainda não forma. Obscura coisa que lateja
Como subtil linfa murmurante. E raiz de nada.
 
Que no entanto sobe na cor indefinida...
 
Nada detem a placenta. Nem o cordão que alimenta.
E também mata. Nem a brevíssima amiba
Como flor da palavra logo extinta em suas
Dores de humanidade...
 
Efémera embora a palavra resiste. E tece seu trama
Sob império Outro – diagrama em que o Sujeito
Se despenha...
 
É necessário sorver o vazio em que a vertigem irrompe.
E na minúcia da espera vencer inóspitas fronteiras.
E reduzir opressivas visibilidades. Estratificadas.
Na matriz inaugural...
 
E nas dobras do tempo – e das coisas - soltar amarras.
E produzir resistências na metamorfose dos dias
Para que a Palavra arda...

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...