...”Em
1816, logo a seguir à restauração dos Bourbon, em França, uma fragata de nome A
Medusa rumou ao Senegal para aí restabelecer o domínio francês. O navio, que
transportava centenas de pessoas (...), era comandado por um velho capitão
realista que rapidamente revelou a sua incompetência e a sua presunção. Estava
permanentemente em conflito com seus oficiais, porque desdenhava de todas as
experiências de navegação acumuladas no período revolucionário e napoleónico,
então já proscrito.
Como
resultado, o navio encalhou num banco de areia – por sinal bem conhecido - ao largo da costa africana e teve de ser
abandonado. Enquanto os passageiros “de qualidade” embarcavam em chalupas,
construiu-se à pressa uma balsa de vinte metros por sete para nela se
amontoarem 149 marinheiros e soldados, juntamente com alguns oficiais. Foi
ligada às chalupas por amarras, mas cedo estas foram cortadas –
intencionalmente, suspeita-se – e a balsa andou à deriva, com escassos víveres
e pouca água potável.
A
situação depressa degenerou, tendo alguns chegado mesmo ao canibalismo,
enquanto outros comiam as cordas das velas e os cintos. Ao cabo de treze dias,
os últimos sobreviventes foram salvos, casualmente, por outra embarcação
enviada pelo comandante – seguramente não em seu socorro, mas para recuperar o
ouro que ficara na Medusa encalhada.
Na
balsa, restavam vivas apenas quinze pessoas; desta, cinco morreram nos dias
seguintes. Em contrapartida, quase todos os burgueses e nobres que tinham
podido para as chalupas haviam chegado a terra e, apesar das grandes
dificuldades, estavam salvos.
A
narrativa desta tragédia, divulgada num livro publicado por dois sobreviventes,
emocionou muito o público francês e contribuiu para desacreditar a monarquia
que acabara de se instalar. Théodore Géricault ajudou a difundir o caso, com o
seu quadro agora exposto no Louvre. Hoje, é sobretudo devido a esta pintura que
nos lembramos do naufrágio da Medusa...”
Do Prefácio “Sobre a Balsa da Medusa –
Ensaios acerca da Decomposição do Capitalismo” – Anselm Jappe
6 comentários:
Excelente!
Quase dois séculos depois a cena repete-se e os ratos estarão a postos para se pôr a salvo se o país feito barco for ao fundo.
Abraço
Obrigada por me dares a conhecer a ´tragédia atrás de um quadro meu conhecido desde os tempos de liceu e que , felizmente, pude admirar ao vivo no Louvre.
E como metáfora da actual tragédia portuguesa , penso que não poderias ter escolhido melhor.
Fica bem.
Nesta balsa,
que se conte o que se passa
e que o sistema não sobreviva
desconhecia esta tragédia muito bem contada e resumida...
e fiquei com agua na boca para pesquisar sobre o assunto...
abrazo serrano
Parece que nos recusamos a aprender com as lições da história, será por falta de educação? licenciaturas Luso creditadas? ou somente canibalismo politico? excelente texto e sugestão que agradeço.
Abraço
Espero que a História não se repita
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