domingo, maio 20, 2012

MAQUIAVEL, estás perdoado...


Ao que consta, a senhora Merkel, tendo em vista chutar os gregos depois do imbróglio das últimas eleições, terá sugerido ao Presidente da Grécia, que procedesse à realização de um referendo sobre a permanência daquele país na zona euro.

Os círculos políticos de Berlim apressaram-se, porém, a fazer o desmentido e, a partir daí, “nada se passou”, pois não será certamente o senhor Papoulias, nesta fase do campeonato, perante vulnerabilidade de seu País e os dramas de seu povo, quem irá desmentir a chanceler alemã.

Nem, em rigor, para o que pretendemos dizer, interessará tanto saber se sim ou não, mas, sobretudo, registar que a notícia surgiu e fez seu curso nos meios políticos e nos media nacionais e internacionais. Portanto, “si non è vero, è bene trovato...”

Insisto que, para o que está em causa não é tanto e existência real dos factos, mas o valor facial da notícia, ou seja, a respectiva a verosimilhança. Na realidade, é relativamente secundário saber se a senhora Merkl telefonou ao presidente grego, admitiu telefonar ou simplesmente a ideia do referendo foi apenas uma “criação” de seus conselheiros políticos.

O que me parece que tem importância no caso, é a constatação (mais uma) de que, para algumas mentes e os poderes europeus, a democracia e os seus mecanismos de expressão cívica se podem mercadejar ao sabor dos interesses económicos e políticos de momento.

Quem não se lembra, poucos tempos atrás, que o senhor Papandreou, chefe do governo grego, legitimado pelo voto popular, foi intimado a apresentar-se à dupla “Merkozy” em Cannes, onde decorria uma cimeira do chamado G20, liminarmente defenestrado e substituído nas suas funções por um tecnocrata ao serviço dos ditames do mercado e das serventuárias políticas europeias?

Qual o “crime”? Teria o senhor Papandreou renunciado às suas convicções europeístas? Ou teriam abdicado os gregos do seu Estado, limitado que seja na sua soberania? Ou até mesmo teriam abjurado a sua dívida soberana? Não!... O único sinal de heterodoxia foi o primeiro-ministro Papandreou afirmar que iria sujeitar o programa da tróica e o garrote das imposições a consulta popular.

Tanto bastou, portanto, para o primeiro-ministro grego fosse despedido por indecente e má figura, como antigamente os imperadores persas se desfaziam de seus sápatras...

Não sendo previsível que, em escassos meses, o instituto do referendo, conhecido de desde os romanos, tenha mudado de conteúdo e a palavra, seja em que língua for, mudado de sentido, como compreender então possa ser bom hoje o que era abominável ainda ontem?

Será que a senhora Merkel não pretendia o referendo, quando ela considerava que poderia por em causa a sua estratégia e as suas imposições, mas o mesmíssimo referendo lhe daria jeito para se desembaraçar do “problema grego”, atravessado na garganta das políticas liberais, porquanto testemunho, em carne viva, do desastre que tais políticas provocam?

A pergunta é redundante, pois bem sabemos, que perante o altar dos mercados financeiros “toda a virtude é castigada” e não há razão ou fundamento que não seja a sua gula.

Não os povos, nem a grandeza dos homens (e das mulheres). Apenas a tosca e mesquinha consagração de que os "fins justificam os meios"...   
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Há quinhentos anos Maquiavel, com sua pena arguta, escreveu que “mais facilmente se conserva uma cidade habituada a viver livre através do consenso dos seus cidadãos do que de qualquer outro modo...”

... e que “a recordação da liberdade e das antigas instituições, as quais nem pela acção do tempo nem pela concessão de benesses se apagarão da sua memória” (dos povos subjugados).

Mas de que serve? Tais sensatas sentenças faziam sentido quando na Europa (e na Alemanha) vicejavam “príncipes da política” e leitores de Maquiavel.

Hoje, estamos rodeados de amanuenses...
  



    



10 comentários:

São disse...

Só recebo más novas, que coisa!!

E sabes que foram atacadas as sedes do BE e do CDS??

Ao que chegámos,,,

Fica bem

AC disse...

O futuro da Europa joga-se na Grécia, e em várias vertentes. Não vou agora aqui traçar cenários, que os há para todos os gostos, deixo apenas o desejo de venha aí a mudança, e para melhor.

Abraço

Rogério G.V. Pereira disse...

“a recordação da liberdade e das antigas instituições, as quais nem pela acção do tempo nem pela concessão de benesses se apagarão da sua memória”

Que se lembrem de mim, Clistenes, de meu nome...

Gisa disse...

De longe e apreensiva, torço para o bem de Portugal e da Europa.
Um grande bj querido amigo.

Anónimo disse...

"Era esquisito, e inteiramente verdade; tudo o que não se podia compartilhar… esvaía-se em pó."

(Virginia Woolf em: Mrs. Dalloway)

Desejo dias melhores pra todos nós.


Beijo

João Henrique disse...

"estamos rodeados de amanuenses" de mangas-de-alpaca merkelizados e de cultura novo-riquismo neoliberal.

As consequências estão na casa de cada um de nós...

Um abraço.

Lídia Borges disse...

"perante o altar dos mercados financeiros “toda a virtude é castigada” e não há razão ou fundamento que não seja a sua gula."

Como é difícil de aceitar uma coisa assim. Será que ficámos todos loucos e nem demos por isso?

L.B.

O Puma disse...

Tens razão

só a Académica brilhou no preto

C Valente disse...

A Europa unida não terá futuro, quando tivermos este tipo de políticos
Saudações amigas

jorge esteves disse...

Não creio que os amanuenses mereçam tal equiparação.
Mas, mesmo que possa parecer maquiavélico pouco creio que a Grécia, de um ou outro modo, abandone o círculo do dourado Euro. Veremos...
abraço.

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