domingo, outubro 30, 2011

E não se pode exterminá-los?!...



Fui buscar inspiração para esta crónica a um texto de Karl Valentin, comediante e realizador de cinema bárbaro, companheiro de Berthold Brecht, cujas parcerias ficaram célebres. A peça em referência, de um humor corrosivo, foi encenada, como muitos se recordarão, por Luís Miguel Cintra, no Teatro da Cornucópia – Teatro do Bairro Alto - em Lisboa, nos idos anos do início da década de oitenta (Março de 1979).

Dizem os estudiosos que o humor de Valentin é uma espécie de antídoto contra a vida acidentada que teve durante duas guerras” e se ergue, subversivo e cáustico, zurzindo injustiças sociais e “narizes de cera”. Intemporal, portanto!...

Assim, a sua actualidade, à época da estreia da peça em Lisboa, nos alvores do cavaquismo, já então prenunciadores, para os espíritos mais argutos, dos obtusos caminhos percorridos pela sociedade portuguesa, desde então.

Revistar Valentin hoje é assim, mais que um exercício de memória, é uma questão de higiene mental…

Ora reparem. Em jornal de referência, um dos intelectuais orgânicos do actual poder político (VPV – in “Público” de 29.10.11), vem à carga fustigando, mais uma vez, os funcionários públicos e pensionistas que, no seu dizer, têm histórica e merecidamente muito má fama. Calaceiros, está bom de ver!...

Sempre fundado em eruditas considerações, que patego não alcança, insurge-se o iluminado articulista contra a artificial divisão, entre a dita “sociedade civil” e “essa abjecta classe de mandarins”, que medra a expensas do Estado, introduzida pelo Presidente da República com a sua “boutade” (que de outra coisa não passa e de que certamente já se arrependeu) sobre a “iniquidade fiscal” e o confisco do subsídio de Natal e de férias aos pensionistas e trabalhadores da administração pública.

Claro que enormidade obriga o articulista a afinar o tiro. E aquilo que era “abjecta classe de mandarins” que ninguém convence e, em seu douto dizer, sem que ninguém “na posse de juízo pense tal coisa”, convolou em mera cambada de madraços. Arraia-miúda, portanto, que a classe de mandarins come pela calada…

Há então que exterminá-los. Lentamente!...

Como o Estado Social (sempre em mira de seu azedume) foi inundado de “multidão de pretendentes sem qualquer qualificação útil, a não ser o seu compreensível desejo de ganhar e subir na vida”, e já que o despedimento era e é impossível, a única solução é então “pouco a pouco tornar a situação de funcionário público mais desagradável: reduzindo ordenados, suprimindo subsídios, removendo privilégios, até se estabelecer um equilíbrio entre os serviços que os portugueses (quais?) não dispensam e os meios que o Estado conseguir arranjar”…

Querem estratégia mais eficaz?! Claro que tal desígnio não configura nenhuma iniquidade fiscal ou outra – é mera filha da putice! Com desculpa pelo plebeísmo…

Como se o Estado tivesse a obrigação de pagar aos credores das parcerias público-privadas, os juros de usura dos credores internacionais, ou  pagar aos credores que defraudaram os depositantes no BPN e no BPP, mas não às modestas pessoas que trabalham no sector público!...

E já agora, para que não se diga que não sou solidário com o esforço de redenção da Pátria, ouso sugerir ao prestigiado articulista, que do alto da sua coluna, seja um pouco mais radical (um pouco mais de azul e será Céu!...) e preconize para os pensionistas a injecção atrás da orelha e para os trabalhadores no activo o trabalho sol a sol, naturalmente, sem remuneração, ou quaisquer subsídios e privilégios…

E assim teremos Finanças Públicas sólidas e economia robusta!...

E a paz nos cemitérios!...  

segunda-feira, outubro 24, 2011

quinta-feira, outubro 20, 2011

RUBRA FLOR DO DEVIR...


No vórtice do Tempo
A rubra flor do devir agita-se no coração
Dos homens…

Fremente como frutos em virginais lábios
Ou púberes seios por abrir…

Quem se atreve a profanar a flor?
Quem tão néscio ignora a maturação dos dias?
Quem de tão órfão desespere?

Seremos afluentes de todos os rios
E semente de canções em todas as praças
E todas as coisas serão o pão e a sede
E a cristalina água na alegria das lágrimas
Sorvidas no beijo inaugural das tempestades…

Oficiantes da distância e dos abismos  
Subiremos ao mastro mais alto da cidade
Gajeiros de um tempo antecipado…

E nas caravelas do Futuro
E nas páginas lacradas
E nas alvoradas traídas
E na amargura dos homens
E no corpo dos vencidos
Ou no grito dos apátridas…

E no cinzel. E na pedra
E no sereno curso da vida
E em todas as árvores
E no beijo dos amantes...

Inscreveremos a flor rubra
E seu nome – LIBERDADE!  





   

sexta-feira, outubro 14, 2011

Mitos e realidades da crise...


Até o prof. Cavaco Silva, do alto da sua sapiência - tão bom aluno que ele era na defesa da ortodoxia do euro, em nome da qual, como Primeiro-ministro, amputou o desenvolvimento do País, destruindo a indústria, a agricultura e pescas nacionais - compreendeu que a magna questão do déficit apenas se resolve com o crescimento económico.

De facto, entra pelos olhos dentro, que a recessão económica tem como consequência directa a diminuição das receitas do Estado, designadamente, por diminuição do montante dos impostos cobrados e que a contracção do consumo, pela diminuição do rendimento disponível das famílias se repercute negativamente no investimento e no consequente crescimento económico.

Para quê produzir, se não houver quem compre e consuma? A mercadoria tem sempre mesma lógica de acrescentar “valor”, ou seja, acrescentar lucro ao lucro e incorporar mais trabalho ao trabalho despendido. E se algum elo da “lógica” do lucro se quebra, todo sistema fica “perturbado” e junta crise à crise, numa espiral de recessão económica, em que o elo mais fraco na cadeia de produção e da sociedade pagam a respectiva factura.

Como, aliás, sabemos por “saber de experiência feito” e como o Primeiro-ministro acaba de nos confirmar com as violentas medidas de “austeridade” de novos aumentos de impostos, aumento do tempo de trabalho não remunerado, o corte nos salários e pensões e a brutalidade do corte do subsídio de férias e 13º mês.

Na outra face da crise, milhares de milhões de euros, que são isentos de qualquer contribuição para a redução do deficit, ou aqueles milhares de milhões que, não sendo isentos, saem do país rumo aos offshores e outros paraísos fiscais para fugirem ao pagamento de impostos.

Quem não se lembrará do caso exemplar da venda da “Vivo” pela PT à empresa espanhola Telefónica, com o fabuloso lucro de seis mil milhões de euros que não pagou um cêntimo que seja de impostos; como também não pagou qualquer imposto, a distribuição dos fabulosos lucros, em cujos beneficiários se encontram “pobrezinhos” como o Banco Espírito Santo, a Caixa Geral de Depósitos, a célebre Ongoing (a tal dos “espiões”), o grupo Visabeira ou a Controlinveste.

Importa também lembrar que, desde o início do ano, terão saído do País rumo aos offshores 6,6 milhões de euros por dia e que, nos últimos 15 anos, Portugal transferiu para o estrangeiro rendimentos em dividendos, lucros e outros, na ordem dos 51 mil milhões de euros, que fugiram ao pagamento de impostos no país, em resultado de as empresas detentoras do respectivo capital terem sede fiscal além-fronteiras.

Assim, o patriotismo da nossa burguesia! E, assim, a solidariedade europeia da livre circulação de capitais…

Claro que para tudo há limites. Talvez, por isso, o Presidente da República, em seu jeito peculiar, tenha vindo ultimamente a assinalar, como quem pretende “safar-se” da responsabilidade pelos tempos difíceis em que estamos mergulhados e da contestação generalizada que se advinha, que são necessários resultados para os portugueses tolerarem mais sacrifícios.

Não sei se Passos Coelho agradece. Afigura-se-me, porém, que não será o novo garrote de sacrifícios que irá evitar o colapso da economia e do colapso do Pais, que o Primeiro-ministro prenuncia.

A única coisa que o Governo de Passos Coelho tem é uma estratégia de desespero para oferecer aos portugueses e aos seus comparsas europeus, na vã esperança que a decantada Europa (ou a Alemanha por ela) resolva a crise e a pressão alivie. Tal qual o calvário de Sócrates e do seu governo, pelo que Passos Coelho nos poderia ter dispensado da sua “telenovela” e da agonia destes dias…

Apesar de todas as dificuldades, não estamos, porém, condenados ao desastre. Por nossas mãos e pela nossa luta outra política (e outra vida) é possível.

Assim, em unidade, a saibamos construir...

                                       

quarta-feira, outubro 12, 2011

OUVIMOS DIZER...


“Ouvimos dizer: Não queres continuar a trabalhar connosco.
Estás arrasado. Já não podes andar de cá para lá.
Estás muito cansado. Já não és capaz de aprender.
Estás liquidado.
Não se pode exigir de ti que faças mais.

Pois fica sabendo:
Nós exigimo-lo.

Se estiveres cansado e adormeceres
Ninguém te acordará nem dirá:
Levanta-te, está aqui a comida.
Porque é que a comida havia de estar ali?

Se não podes andar de cá pra lá
Ficarás estendido. Ninguém
Te irá buscar e dizer:
Houve uma revolução. As fábricas
Esperam por ti.

Porque é que havia de haver uma revolução?
Quando estiveres morto, virão enterrar-te
Quer tu sejas ou não culpado da tua morte.

Tu dizes:
Que já lutaste muito tempo. Que já não podes lutar mais.
Pois ouve:
Quer tu tenhas culpa ou não:
Se já não podes lutar mais, serás destruído.

Dizes tu:
Que esperaste muito tempo. Que já não podes ter esperanças.
Que esperavas tu?
Que a luta fosse fácil?

Não é esse o caso:
A nossa situação é pior do que tu julgavas.

É assim:
Se não levarmos a cabo o sobre-humano
Estamos perdidos.
Se não pudermos fazer o que ninguém de nós pode exigir
Afundar-nos-emos.

Os nossos inimigos só esperam
Que nós nos cansemos.
Quando a luta é mais encarniçada
É que os lutadores estão mais cansados.
Os lutadores que estão cansados demais perdem a batalha”.

BERTOLDT BRECHT



 

 


domingo, outubro 09, 2011

Assim vai a democracia... europeia!

OccupyTogether: Manifesto - por Chris Hedges



“Não há desculpas à esquerda. Ou você se vem juntar a revolta que acontece em Wall Street e nas praças financeiras de outras cidades do país ou você está do lado errado da história. Ou você vem obstaculizar, pela única forma ao nosso dispor, que é a desobediência civil, a pilhagem pela classe criminosa de Wall Street e impedir a destruição acelerada do ecossistema que sustenta a espécie humana, ou está a ser cúmplice passivo de uma maldade monstruosa. Ou você vem provar, sentir e cheirar a embriaguez da liberdade e da revolta ou se afunda no miasma do desespero e da apatia.
Ou você é um rebelde ou um escravo…

Permitir-se ser inocente ou ingénuo num país onde o Estado de Direito não significa nada, onde os cidadãos são submetidos a um golpe de Estado permanente das corporações económicas e financeiras, onde os pobres, os trabalhadores e as trabalhadoras são lançados no desemprego e na fome, onde a guerra, a especulação financeira e a vigilância interna constituem verdadeiramente os únicos negócios do Estado, onde até mesmo habeas corpus não existe mais, onde você, como cidadão, não é mais do que uma mercadoria (…) para ser usada e descartada, é ser cúmplice deste mal e desta exploração radical.

Há que escolher, portanto. Mas faça a sua escolha rapidamente. O estado e as corporações estão determinados em defenderem-se. Eles não vão esperar por você. Estão aterrorizados e a revolta vai espalhar-se. E eles têm suas falanges policiais (…) as suas barricadas de metal, em cada uma das ruas que levam aos centros financeiros (…) onde os “manda chuva”, com fatos de Brooks Brothers, usam o dinheiro, dinheiro que extraíram do vosso trabalho, para jogarem e especularem e para se empanturrarem, enquanto uma em cada quatro crianças, fora dessas barricadas, dependem de cupons de alimentos para se alimentarem.

A especulação era crime no século XVII. Especuladores financeiros foram enforcados. Hoje, porém, o Estado e os mercados especulativos estão imbricados uns nos outros e as suas redes divulgam as mentiras que poluem as nossas mentes e as nossas vidas.

Disseminando a corrupção e o roubo, as corporações têm cimentado a posição de uma classe oligárquica sofisticada e um quadro obsequioso dos políticos, juízes e jornalistas que vivem em seus enormes mansões, pequenos Versailles murados, enquanto 6 milhões de americanos são expulsos de suas casas, um número que em breve irá subir para 10 milhões e um milhão de pessoas por ano vão à falência porque não podem pagar suas contas médicas ou morrem por falta de cuidados médicos adequados.

E, por outro lado, o desemprego desenvolve-se em espiral e sobe a mais de 20 por cento e os cidadãos, incluindo estudantes, passam a vida a trabalhar, quando têm empregos, para a escravidão das dívidas, trabalhando sem saída empregos. Um mundo destituído de esperança, um mundo, enfim, de senhores e servos (…).

Mas que importa? Se o valor das acções da Exxon Mobil ou da indústria do carvão ou da Goldman Sachs é alto, a vida vai boa. Lucro… Lucro… Lucro… Isso é o que eles cantam por trás dessas barricadas de metal (…)

Ou você se levanta para os aniquilar, ou você desmonta o Estado das corporações financeiras para construir um mundo de sanidade, um mundo onde já não tenha que se ajoelhar perante a ideia absurda de que os interesses dos mercados financeiros devem reger o comportamento humano, ou então estamos a marchar inelutavelmente em direcção à auto-aniquilação".
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Chris Hedges escreve uma coluna regular para Truthdig.com e foi durante quase duas décadas correspondente estrangeiro de The New York Times. É graduado por Harvard Divinity School.







domingo, outubro 02, 2011

Ciclo de Vida...


Planto macieiras imaginárias
Na inocência de teus olhos e
Sacudo o cisco do tempo que se entranha
Na pele dos dias…

Estaremos assim sentados
Tu em meus joelhos. E a sombra benigna
Brincando em tua face em tons de oiro
Por entre a vibração da tarde…

Um dia serás como a árvore
E a raiz, minhas cinzas. E o livro
Em que te soletras serão os invisíveis
Dedos que te acarinham. E minhas sílabas...

E eu estarei ausente: em tuas letras
Os gomos que agora abrimos no gume da faca
E que nossas bocas partilham
Serão a fome da fome, a arder em teus passos…

Tua vida em mim,
António!






Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...