Na mitologia grega, o mirto era consagrado a Afrodite. Também na mitologia romana, em que Vénus detinha
título de Múrcia (de mirto ou murta).
Desde a antiguidade que esta espécie
arbórea está relacionada com rituais e cerimónias solenes - os gregos adornavam
as noivas com grinaldas de flores mirto, como ainda hoje, por vezes, acontece.
Das folhas e madeira do mirto era
extraída a mirra, uma das oferendas do Presépio.
Uma vez mais
floriu O velho e agora
jovem mirto. Junto ao poço as
suas fundas raízes E o mesmo vivo, sempre
generoso Aroma das
folhas; o tronco Torturado por
nodosas chagas, Cavernas,
golpeado de musgo e cobre Mas com baixos,
com tenazes rebentos.
Quantos anos
aqui perdeste, quantos
Se amarram à tua
sombra? Alguém como eu
acaso te beijou? Quantos passos
em volta? Quanta chuva Desejou o Romano
que para aqui te trouxe? E a quantas
exalações da vida assististe Como muda
testemunha, ó corpo mediterrâneo Sobrevivente a
tantos, tantos deuses mortos?
António
Osório
Poeta
português, nascido em Setúbal – 1933.
“A Raiz Afectuosa” (1972), “A Ignorância da Morte” (1978), “O Lugar do Amor” (1981), “Décima Aurora” (1982), “Adão, Eva e o Mais” (1983) são alguns
dos seus livros.
Há uns anos atrás, nos alvores dos anos
2000, o célebre financeiro George Soros, num livro sugestivo com o título “A
crise do capitalismo global – a Sociedade Aberta Ameaçada”, interrogava-se –
cito de memória – “se a democracia seria
compatível com o sistema capitalista”.
E, na sua tese, considerava que embora o
capitalismo esteja associado à democracia e lhe tenha servido como legitimação
ideológica, considera o financeiro que há quem sustente ser necessária uma “certa forma de ditadura para que o
desenvolvimento se desencadeie”.
Pois não é verdade que, entre nós houve quem,
enquanto ministra das Finanças, tivesse sugerido a “suspensão da democracia por uns tempos” até as contas públicas
ficarem em ordem. Procurou a pessoa em causa rectificar depois, como se ironia
fosse, mas o agravo à democracia ficou. Sem remissão…
Face à gravidade da situação, os
desenvolvimentos posteriores da crise do sistema capitalista têm vindo a fazer
tocar as campainhas de alarme e a sobressaltar os espíritos mais lúcidos e as
consciências mais inquietas.
Em Wall Street, centro nevrálgico do
capitalismo global, a tensão entre capitalismo e democracia explode, com o
movimento “Occupy Wall Street”. Para a opinião pública norte-americana este
embate entre capitalismo e democracia deve soar com muita estranheza e
perplexidade.
Porventura capitalismo e democracia não
foram sempre considerados, no chamado mundo ocidental, como irmãos
siameses e indelevelmente inscritos nos actos fundadores da grande nação
norte-americana? Esse foi também, sem dúvida, para os governantes e opinião
pública norte-americanos o leitmotiv durante a guerra fria, para quem, na sua
propaganda, comunismo e democracia seriam incompatíveis.
Mas depois da guerra fria as coisas
complicaram-se. É verdade, que após o colapso da URSS, os políticos
norte-americanos e os intelectuais que por todo o mundo os servemquiseram fazer-nos acreditar que levar o
capitalismo à China seria a proclamação da democracia naquele país. Vê-se agora
o tamanho da presunção. A China está sentada numa montanha de títulos de dívida
pública norte-americana, sem o mínimo abalo no regime político, que sustenta os
enormes ritmos de crescimento e exploração.
Se nos quisermos aproximar da realidade
europeia, então constataremos que a democracia, a “tal santa que continua mumificada nos altares” como diria
Saramago, tem sofrido, nos últimos tempos, trato de polé. Em nome da
austeridade, as grandes instituições financeiras abriram, sem pudor, guerra
aberta aos governos e instituições democráticas.
Assistimos, assim, estupefactos, a que os
ditos mercados capturem a democracia, de forma deliberada e pensada. Políticos,
no exercício de funções governativas, na Finlândia, sustentam, sem pudor, que os seis países da zona euro, com a classificação triplo AAA, deveriam ter “mais voz” nos assuntos económicos
europeus que os onze membros restantes. E, assim, a Europa meridional ficar
subordinada politicamente à Alemanha e à Escandinávia e, em última análise, aos
ditames da classificação creditícia pelas agências especializadas.
Mais grave ainda é que tais ideias fazem caminho
nas instâncias comunitárias, como foi bem patente nos últimos desenvolvimentos,
em que a democracia (mitigada) no funcionamento da União Europeia se vergou à
vontade da senhora Merkel.
Bem vistas as coisas, o que os denominados
mercados estão a fazer é ilidir a componente de igualdade social dos indivíduos
e Estados, inscrita na matriz da Democracia e na génese da revolução liberal,
para em alternativa, estabelecerem o principio não de “um homem (ou um Estado) um voto”, mas o princípio de “um euro, um voto”, quer dizer, a
necessidade de ser proprietário (deter poder económico) para se poder ser
benificiário da Democracia.
Uma regressão histórica que nos remete
para o século XVIII, em que o direito propriedade estava acima de qualquer
legalidade constitucional…
Luísa de Gusmão, nascida em 13 de
Outubro de 1613, era espanhola de nascimento (andaluza) mas revelou-se uma
rainha bastante ciosa dos interesses portugueses.
O casamento entre Luísa de Gusmão e o
Duque de Bragança, promovido pelo ministro castelhano conde-duque de Olivares,
foi uma peça da estratégia de fusão dos reinos de Portugal e Espanha, mediante
a união das duas casas ducais mais importantes e, dessa forma, refrear as
tentativas de rebelião portuguesas contra a dinastia filipina.
Mas Luísa de Gusmão não só não apoiaria
a política de anexação de Portugal como incitou o marido contra o domínio
espanhol, vencendo a sua tibieza e convencendo-o a aceitar a coroa que lhe era
oferecida pelos conjurados e pelo Povo, com a restauração de independência,
após a revolução vitoriosa de 1º de Dezembro de 1640.
Na última hora, na hora das hesitações,
quando o duque de Bragança, convocado por Filipe de Espanha para se apresentar
em Madrid e, por outro lado, intimado pelos conjurados a aceitar a coroa, se
mostrava como sempre hesitante quis consultar sua mulher e encontrou nela a
resposta altiva e varonil de que “mais vale morrer reinando, que acabar
servindo”...
Mas quem hoje lembra a frase que a
História regista? Nem sequer o feriado o 1º de Dezembro nos poupam!...
As “rainhas” actuais são de outra
estirpe. Hoje, como ontem, as classes possidentes e seus representantes nos órgãos
de Estado, tomam partido, não pela independência do País, mas pelo domínio estrangeiro.
Como se o traidor Miguel de Vasconcelos fossem, prestam vassalagem à “imperatriz”
Ângela e, com zelo de serviçais, vergam a espinha perante as ordens da tróica
estrangeira…
A história, no entanto, não acaba aqui. Outras
“Luísas”, que no duro quotidiano da vida actual “sobem, que sobem, sobem a calçada”,fazem caminho na dura luta pela emancipação social e pela independência do
País.
O azul esmorece
e as vagas são espuma sem memória Apenas pulsar
da Lua no deserto das rochas E a outra face
lamacenta que explode No quotidiano
das algas. E na cor esverdeada dos limos…
Os homens
revestem-se de agasalhos. Sombrios.
Até as crianças
se degolam. As guloseimas
São agora a exibição
dos juvenis corpos na impudícia Que os pais
desnudam no lucro das marcas E no aplauso de
plateias. Como se plástico fosse Oiro de lei das
criaturas ou o peso das almas…
Nego-me. Sou
apenas cinza na combustão da sarça. E a pedra
rústica em que tropeço. E a hora desmaiada Da tarde em que
desfaleço. E esta teima. E a agitação da
febre. E esta inesperada força Que em braçadas
de náufrago se ilumina…
Não tenho, porém qualquer dúvida em editar este texto.
Como diria Raúl Proença "todos temos dentro de nós, uns mais do primeiro, outro do segundo, um ser inteligente, um ente crítico, de razão, e um ser instintivo (...) todo de reflexos e reacções elementares imediatas (...)"
Seja esta uma forma singela de dignificar o primeiro (ser que nos habita)
Quando
a dignidade, a justiça, a democracia e a soberania estão em causa, a luta de um
povo e todos os sacrifícios se justificam. A
situação financeira e económica dos trabalhadores e das suas famílias é dura,
as pressões do desemprego, da precariedade e de alguns autoritarismos patronais
são violentas.
A
proposta de Orçamento de Estado para 2012 perspectiva um ciclo de austeridade,
de recessão económica e deterioração orçamental que se irá prolongar, sem se
saber ao certo quando poderá terminar.
As
políticas que o Governo se propõe adoptar, assentam na recessão económica e
tornam o agravamento do desemprego, a facilidade de despedir, o aumento dos
horários de trabalho, a redução da retribuição do trabalho e os cortes com as
prestações sociais, como factores estruturantes do empobrecimento dos
portugueses.
Os
trabalhadores da Administração Pública perdem, em média, em dois anos, cerca de
30% da sua retribuição. A proposta de aumento dos horários de trabalho em 2,5
horas semanais não remuneradas, tem é uma ignóbil medida que aprofunda a
exploração do trabalho a níveis de escravatura.
Aceitar
que tecnocratas ao serviço de credores e agiotas, se dêem ao desplante de virem
ao nosso país afirmar na comunicação social as políticas que devemos seguir
significa abdicarmos da nossa soberania. As suas sugestões de mais cortes na
saúde, nas condições das autarquias e nos subsídios de férias e de Natal
constituem autênticas provocações e permitem mais chantagens sobre os
trabalhadores.
Para
travar os perigos, para resistir com êxito e para ganhar os desafios do futuro
é preciso que os trabalhadores e o povo não se conformem e intervenham com a
sua luta e as suas propostas.
A
Greve Geral é por direitos e condições de trabalho e por direitos sociais
fundamentais mas, acima de tudo, por Portugal, contra o retrocesso social e
civilizacional em curso e pelo futuro das jovens gerações.
Sabem que no
colapso e nos nocturnos despojos Todos os portais
se franqueiam. E todas as auroras. E que dóricas colunas
são apenas o sobre-humano Esforço de
erguê-las…
E que na ignara majestade
dos homens Irrompe ao longe
o dia claro…
Ao que julgo conhecer, o filósofo
marxista George Lukács alimentava a ideia de escrever “O Capital” dos nossos
dias. Esse projecto significaria investigar o mundo contemporâneo e a sua
lógica, os novos elementos do seu metabolismo social e com isso fazer, no
último quartel do século XX, uma actualização das categoriais e lineamentos presentes
na obra de Marx. No entanto, foi outro filósofo marxista, o húngaro István
Mészáros, grande colaborador de Lukács, quem lançou mãos à obra.
Radicado na Universidade de Sussex, na
Inglaterra, Mészáros já havia publicado diversos livros de grande fulgor
intelectual, mas conforme as referências que encontro, “Para além do capital e da sua lógica destrutiva” é a sua obra
maior.
Em porfiada ronda pelas livrarias de
Lisboa, fui obrigado a reconhecer que, em Portugal a obra em referência é pura
e simplesmente desconhecida, ou então olimpicamente ignorada pelos nossos
editores e livreiros, para não falar no mainstream
cultural envolvente. Enfim, em verdade, nada surpreendente: mais um triste
sinal dos tempos!...
Socorro-me por isso de alguns sites, sobretudo brasileiros, para me
documentar sobre a obra, julgando estar em condições de vos dizer que “Para além do Capital e da sua Lógica
Destrutiva”, constitui, no actual estádio de desenvolvimento da sociedade,
uma penetrante reflexão crítica sobre o capital, as suas formas e as suas
engrenagens e mecanismos de funcionamento.
Mészáros realiza assim uma demolidora crítica
do capital e uma das mais densas reflexões sobre a sociabilidade contemporânea
e a lógica que a enforma.
Como um dos eixos centrais de sua interpretação,
Mészáros, ao arrepio do pensamento marxista clássico, considera capital e
capitalismo como fenómenos distintos e admite que a identificação de ambos os
conceitos tenha estado presente nas experiências revolucionárias até à data,
tendo sido porventura a razão do seu fracasso.
Para István Mészáros, o capital antecede
ao capitalismo e também lhe será posterior; o capitalismo, por sua vez, será
uma das formas possíveis de realização do capital, uma de suas variantes
históricas. Assim como existia capital antes da generalização do sistema
capitalista, também se pode verificar a continuidade do capital após o
capitalismo.
É o que o Mészáros denomina como “sistema de capital pós-capitalista”.
Tal, como, na perspectiva do autor, aconteceu na URSS e demais países do Leste
Europeu, durante o século XX, pois que estes países, embora tivessem uma
configuração pós-capitalista, foram incapazes de romper com o “metabolismo” de funcionamento
do capital.
Considera, portanto, que o capital é um
sistema abrangente, com núcleo constitutivo formado por capital,trabalho e Estado; estas três dimensões estão são
materialmente interligadas, sendo assim impossível poder supera-lo sem a
eliminação do conjunto dos elementos incorporados no sistema.
E, como sistema
que não tem limites para a sua expansão (ao contrário dos modos de produção
anteriores, que buscavam a satisfação das necessidades sociais), o metabolismo de
funcionamento do capital, no limite, torna-o incontrolável. Como se sabe, fracassaram
no objectivo de o controlar ou superar tanto a social-democracia, quanto a
alternativa soviética, uma vez que, uma e outra, acabaram seguindo o que
Mészáros denomina “a linha de menor
resistência do capital”.
Expansionista,
destrutivo e, no limite, incontrolável, o capital assume cada vez mais a forma
de uma crise endémica, crónica e permanente, cuja agudização faz emergir o espectro
da destruição global da humanidade.
Esta emergência
histórica, coloca, assim, como única forma de evitar a catástrofe, a evidente
necessidade de pensar e construir uma alternativa social, que na perspectiva do
autor será a sociedade socialista.
……………………………………………..
Se tiverem tempo
e paciência, recomendo que visionem entrevista completa queIstván Mészáros
concedeu a célebre programa da TV brasileira “Roda Viva”, constante do vídeo.
Foi recentemente publicada a última
edição da SEARA NOVA – nº 1717 - Outono de 2011. Como motivo suplementar de
interesse a circunstância deste número celebrar o 90º aniversário da fundação
da revista, cujas iniciativas comemorativas se realizarão em 2011/12.
Neste contexto, de salientar, desde
logo, a capa da revista, de autoria da insigne pintora e seareira, Maria Keill, que pretendeu associar-se às iniciativas do
90º aniversário da SEARA NOVA, bem como o poema inédito e empolgante do poeta e
ensaísta Manuel Gusmão, de que vos deixo brevíssima referência:
“Eu
te saúdo, velho oceano, que guardas na caixa
Arcaica
dos teus pulmões os rios que no teu corpo,
Apodrecem
tantos despojos brilhantes e imprestáveis,
Equivalentes
segundo o marcial padrão euro
Ao
recheio exorbitante de 10 Centros Comerciais …”
Também a merecer destaque a “mesa
redonda” com António Reis e Fernando Correia, que, com Sottomayor Cardia, tiveram
papel determinante na renovação e no sucesso editorial alcançado pela SEARA
NOVA no início da década de setenta.
Presentemente, além de outras actividades, o historiador António Reis é professor aposentado da Universidade
Nova de Lisboa e Fernando Correia é jornalista, director do Curso de Jornalismo
da Universidade Lusófona.
…………………………………………………………..
Leia, assine e divulgue a SEARA NOVA!...
“Há
que fazermo-nos ao Mar, antes que sequem os rios…”
“Em
Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta
igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois
factos que constituem o movimento político das nações. A
ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso,
diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade,
pela frivolidade e pelo interesse.
A
política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias;
ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da
vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali
há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de
grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os
aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a
tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio.
A
refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se,
corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades
se entrechocam ali com dor e com raiva. À escalada sobem todos os homens
inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena,
ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro,
insaciáveis dos gozos da vaidade.”
“Que
fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: - mas nelas
nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito.
Hoje, crédito não temos, dinheiro também não - pelo menos o Estado não tem: - e
homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela política.
De
sorte que esta crise me parece a pior - e sem cura.”
Frémito
de ondas e rito de aves nos imutáveis destinos
Onde
todas a coisas são simples e belas.
E
sem mácula…
Como
a inesperada flor vermelha, abrupta, No
declive das rochas, em precipício de cinza, Diluindo-se
na paisagem e no gesto de colhê-la…
Azul,
vermelho e água - assim o lastro. E
as inquietantes nuvens toldando o rio seco E
incendiando as margens. Como vésperas De
um tempo incerto. E de seu canto.
Ferida
aberta…
Nos
olhos o voo dos pássaros e o balancear das ondas. E
a pulsão dos barcos arrimados. E o abismo da vertigem. Ainda.
E a flor carnívora. Calcinada…
E
nas mãos apenas o calcário. E a generosa flor Que
vos ofereço.
Como
rocha parideira!… ................................................... Uma pequena catarata na vista esquerda - nada de grave, portanto|... rs
Fui buscar inspiração para esta crónica
a um texto de Karl Valentin, comediante e realizador de cinema bárbaro, companheiro
de Berthold Brecht, cujas parcerias ficaram célebres. A peça em referência, de
um humor corrosivo, foi encenada, como muitos se recordarão, por Luís Miguel
Cintra, no Teatro da Cornucópia – Teatro do Bairro Alto - em Lisboa, nos idos
anos do início da década de oitenta (Março de 1979).
Dizem os estudiosos que o humor de
Valentin “é uma espécie de
antídoto contra a vida acidentada que teve durante duas guerras” e se
ergue, subversivo e cáustico, zurzindo injustiças sociais e “narizes de cera”.
Intemporal, portanto!...
Assim, a sua actualidade, à época da
estreia da peça em Lisboa, nos alvores do cavaquismo, já então prenunciadores,
para os espíritos mais argutos, dos obtusos caminhos percorridos pela sociedade
portuguesa, desde então.
Revistar Valentin hoje é assim, mais que
um exercício de memória, é uma questão de higiene mental…
Ora reparem. Em jornal de referência, um
dos intelectuais orgânicos do actual poder político (VPV – in “Público” de
29.10.11), vem à carga fustigando, mais uma vez, os funcionários públicos e
pensionistas que, no seu dizer, têm histórica e merecidamente muito má fama. Calaceiros,
está bom de ver!...
Sempre fundado em eruditas
considerações, que patego não alcança, insurge-se o iluminado articulista
contra a artificial divisão, entre a dita “sociedade civil” e “essaabjecta classe de mandarins”, que medra a expensas do Estado, introduzida
pelo Presidente da República com a sua “boutade”
(que de outra coisa não passa e de que certamente já se arrependeu) sobre a “iniquidade
fiscal” e o confisco do subsídio de Natal e de férias aos pensionistas e
trabalhadores da administração pública.
Claro que enormidade obriga o articulista
a afinar o tiro. E aquilo que era “abjecta
classe de mandarins” que ninguém convence e, em seu douto dizer, sem que ninguém “na posse de juízo pense tal coisa”,
convolou em mera cambada de madraços. Arraia-miúda, portanto, que a classe de
mandarins come pela calada…
Há então que exterminá-los. Lentamente!...
Como o Estado Social (sempre em mira de
seu azedume) foi inundado de “multidão de
pretendentes sem qualquer qualificação útil, a não ser o seu compreensível
desejo de ganhar e subir na vida”, e já que o despedimento era e é impossível,
a única solução é então “pouco a pouco
tornar a situação de funcionário público mais desagradável: reduzindo
ordenados, suprimindo subsídios, removendo privilégios, até se estabelecer um equilíbrio
entre os serviços que os portugueses (quais?) não dispensam e os meios que o
Estado conseguir arranjar”…
Querem estratégia mais eficaz?! Claro
que tal desígnio não configura nenhuma iniquidade fiscal ou outra – é mera
filha da putice! Com desculpa pelo plebeísmo…
Como se o Estado tivesse a obrigação de
pagar aos credores das parcerias público-privadas, os juros de usura dos credores internacionais,
ou pagar aos credores que defraudaram os depositantes no BPN e no BPP, mas não às
modestas pessoas que trabalham no sector público!...
E já agora, para que não se diga que não
sou solidário com o esforço de redenção da Pátria, ouso sugerir ao prestigiado
articulista, que do alto da sua coluna, seja um pouco mais radical (um pouco
mais de azul e será Céu!...) e preconize para os pensionistas a injecção atrás da
orelha e para os trabalhadores no activo o trabalho sol a sol, naturalmente,
sem remuneração, ou quaisquer subsídios e privilégios…
E assim teremos Finanças Públicas
sólidas e economia robusta!...