quarta-feira, dezembro 29, 2010

POEMA DE NATAL...



Derrama-se o canto sobre a mesa alva.
E a noite fria. Agora é este lume na estrela
De teus dedos murmurados. E a frágil linha
De teus cabelos brancos escorridos...

Meu rosto são teus olhos...

Arfar do peito meu. Agora esta miragem
No esconso tempo. Desprendo em teu regaço
Lírios de outrora. E componho o musgo e a hera.
O menino sou eu. E a lágrima é tua lá no Céu.

Dulcíssima a Hora...

Ilumina-se o esplendor dos anjos em redor.
Meu vagido, teu seio. E este milagre de ti.
Não há incenso, bem sei. Apenas a Mulher parida
E o filho incréu. De joelhos entoando tua benção:

"Gloria in excelsis Deo!..."

domingo, dezembro 19, 2010

Nevoeiro que se vê...



"O que isto é, viver!
Abrir os olhos, ver
E ser o nevoeiro, que se vê!
Nevoeiro ao nascer
Nevoeiro ao morrer,
E um destino na mão que não se vê!..."

Miguel Torga - in "Os Bichos"
Foto - George Dussaud

sábado, dezembro 18, 2010

Cinza quente...


As estrelas não amam. Brilham.
E em seu brilho se cumprem. Cinza quente
De vulcão extinto...

Delas guardamos por vezes a órbita
Enquanto esfriam. Outras nem tanto.
Soltamo-las fogos-fátuos coloridos...

E a lonjura em nossas mãos vazias
Que os olhos não abarcam mais.

(Crianças doridas pelo cais...)

Vertigem de alturas em cada trago.
Colapso de estrelas em que (me) ardo
Sôfrego e vário…

terça-feira, dezembro 14, 2010

Angelus Novus



“Há um quadro de Klee chamado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter este aspecto. Voltou rosto para o passado.

A cadeia de factos que aparece diante de nossos olhos, é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas arremessa a seus pés. O anjo gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir de seus fragmentos, tudo aquilo que foi destruído.

Mas do Paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas e que é tão forte que o anjo já não as pode mais fechar. Esse vendaval impele-o irresistivelmente para o futuro a que ele volta costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até ao céu.

Aquilo que chamamos de progresso é este vendaval”.

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“A tradição dos oprimidos ensina-nos que o “estado de excepção” no qual vivemos é a regra. Precisamos de um conceito de história que se dê conta disso”.

Walter Benjamin – in “O Anjo da História” – Assírio&Alvim

sábado, dezembro 11, 2010

Amália Rodrigues Fado Português

SONHO DE SONHO...


Declina este silêncio a voz da tarde
Que sobre o Tejo embala caravelas.
Guindastes frios chorando primaveras
Aventuras em farrapos pelo molhe...

Cravo e canela. Era outrora miragem
Do sangue o que hoje é azul perdido.
Não era glória: era apenas o sentido
De partir sem receio da ancoragem...

Não mais flores nem colchas à janela
Nem olhares cativos em cada espera
Nem fulvo marinheiro, celebrado...

Ó Pátria minha, agora! Mimética altivez
Tempo prisioneiro do deserto de Fez
Sonho de sonho: ora perdido, ora achado...

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Notas de Leitura


Com a chancela da editora Leya, na série “Cadernos de Investigação”, o juiz jubilado do Tribunal de Contas, Dr. Carlos Moreno, publicou recentemente o título em referência, que constitui um verdadeiro libelo contra a má gestão das Finanças Públicas, no decurso das últimas décadas, no nosso país.

Com autoridade do seu percurso como juiz do Tribunal de Contas e outras funções ao serviço da administração financeira do Estado, a que alia a docência em diversas Universidades, o autor demonstra nesta obra, de forma eloquente, que “o Estado não tem fatalmente que realizar negócios ruinosos com os privados".

Em linguagem simples e acessível, ao alcance de qualquer leitor, mesmo não iniciado nestas matérias, o autor, na primeira parte do livro, apresenta alguns conhecimentos gerais sobre finanças públicas, aclarando conceitos básicos, nem sempre bem conhecidos pela opinião pública e, o que é mais grave pela opinião publicada.

Remete, depois, o autor para a “gestão dos dinheiros públicos”, que deve ser exercida com observância da lei, de acordo com critérios de boa gestão e respeito pela concorrência, a transparência e a publicidade, em vista a “realização exclusiva de finalidades públicas”.

Por isso, considera o autor que, vinculada embora a critérios técnicos, a gestão financeira do Estado pode ser obrigada a afastar-se de conceitos de estrita racionalidade económica, porquanto “há valores sociais que se sobrepõem aos critérios da economia, da eficiência, e da eficácia”.

Salienta o autor que “em Portugal a regra tem sido um mau planeamento e quase tudo que é orçamento público falha estrondosamente (…)”, o que explica “que as previsões de custos das obras públicas chegam a derrapar 300%.”

Insiste o autor que a transparência das finanças públicas constitui hoje uma questão decisiva de rigor técnico e que nada justifica que uma parte cada vez maior da receita e despesas públicas, em especial a despesa de investimento público, escape ao Orçamento de Estado e assim ao controlo político do Parlamento e do conhecimento dos cidadãos.

Detém-se, posteriormente, sobre a importância do controlo público externo das finanças públicas, como “necessidade colectiva essencial, tal como o saneamento básico, as vias de comunicação, a polícia ou a justiça”; e, nesse quadro, refere o papel do Tribunal de Contas.

Os capítulos seguintes são uma denúncia viva e fundamentada do papel nefasto das ditas “Parcerias Público- Privadas (PPP), de que Portugal “é o campeão europeu”. O autor não hesita em afirmar que, na grande maioria das PPP, as entidades públicas responsáveis pela gestão dessas parcerias têm revelado “demasiada impreparação e leviandade”…

O autor passa pelo crivo da sua crítica empenhada os últimos “18 anos a cometer os mesmos erros”, apresentando as monstruosas derrapagens financeiras e os consequentes prejuízos para o erário público da “Concessão da Lusoponte”, a “Concessão da Fertagus”, as “SCUTs”, a “Concessão Metro Sul do Tejo”, as “PPP-Saúde”, o “Terminal de Contentores de Alcântara”, as “Subconcessões da Empresa Pública – Estradas de Portugal”, a “Renegociação das Concessões das SCUTs e apresenta uma súmula dos principais erros cometidos pelo Estado neste domínio das PPP.

O último capítulo é consagrado às “Derrapagens nas Obras Públicas”, onde se descrevem os “edificantes” casos da “Casa da Música”, a “Ponte Rainha Santa Isabel”, o “Túnel do Terreiro do Paço” e os “Estádios do Euro 2004”. A finalizar, o autor apresenta algumas propostas de “Como o Estado Pode Gastar Menos e Melhor”.
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Pela sua vigorosa denúncia das más práticas de gestão financeira do Estado, pelo acervo de informação, pelo proclamado propósito de prestigiar o serviço público, considero a publicação desta obra um serviço que se presta a comunidade e um brilhante exercício de pedagogia cívica.   

      




 

quinta-feira, dezembro 02, 2010

ONU - entre os Direitos Humanos e a Caridade

 "A acção decisiva da Assembleia Geral torna bem claro que os direitos económicos, sociais e culturais, incluindo os direitos a habitação adequada, à alimentação, à saúde, à educação e ao trabalho, não são uma questão de caridade, mas sim direitos que podem ser reivindicados por todos, sem qualquer tipo de discriminação”, declara um grupo de peritos de direitos humanos das Nações Unidas, a propósito da recente aprovação pela ONU do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

O documento, em cuja redacção teve papel relevante uma jurista portuguesa, que presidiu ao grupo de trabalho, “permite que aqueles que sofrem violações dos seus direitos económicos, sociais e culturais procurem obter reparação e obriguem os responsáveis por essas violações a responder pelos seus actos, como acontece já no caso de outros direitos humanos”.

A combinação do mecanismo de apresentação de queixas, do procedimento de inquérito contribuirá, no dizer desses peritos, “para assegurar a sua implementação”. E aos indivíduos e grupos de indivíduos “representa um instrumento promissor para que todas as vítimas de violações desses direitos façam ouvir a sua voz”.

Os peritos expressam a esperança o Protocolo Facultativo venha fomentar a possibilidade de medidas concretas em vista a “realização dos direitos de todos e para chegar aos mais marginalizados e desfavorecidos, que têm mais probabilidade de ver os seus direitos violados”.

"Isto representa um passo crucial em direcção a um mecanismo, há muito aguardado, que reforce a universalidade, indivisibilidade, interdependência e interrelação de todos os direitos humanos e a garantia de dignidade e justiça para todos”, acrescentam.

Segundo a palavra dos peritos, “o Protocolo Facultativo representa um maior reconhecimento da dignidade inerente a qualquer ser humano e da importância da justiça e da responsabilização por todas as violações de direitos humanos”.
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E que fazer, então, com os direitos do Homem, no actual contexto nacional e internacional? Nos dias de hoje, as sonoras proclamações sobre os direitos do homem servem, sobretudo, como instrumento legitimador, à escala planetária, de uma ordem social, não apenas injusta, mas desumana e cruel…

Que crédito podem merecer, ou que grau de eficácia serão dotados, os documentos da Organização das Nações Unidas, quando ficamos a saber que altos funcionários internacionais e o próprio Secretário-geral da ONU são objecto de recolha de dados pessoais, à margem da Lei e da decência política?

Continuaremos a falar dos direitos do homem, sem dúvida!... Mas, se quisermos que os direitos do homem prevaleçam ainda, na sua genuína vocação, como instrumento de libertação dos povos e de realização dos valores de justiça e progresso social, teremos que os desembaraçar da redoma ideológica que os aprisiona e romper os limites em que se exprimem…

Isto é, deveremos lutar para que os direitos do homem possam ser invocados e  juridicamente vinculativos nas relações jurídico-privadas, quando uma das partes detenha predomínio económico e social, que permita uma situação de exploração.

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...