domingo, maio 30, 2010

Sócrates e a “Ópera do Malandro”...

Lê-se e não se acredita. Ao que parece, o nosso Primeiro Ministro, em viagem de Estado ao Brasil, fez constar que o insigne compositor e intérprete de inesquecíveis canções brasileiras (e não menos conhecido escritor), Francisco Buarque de Holanda, num impulso irresistível, quis conhecer a deslumbrante personalidade do Eng. Sócrates e seu pujante perfil de estadista.

Ou talvez, quem sabe, seu lastro cultural...

E, por isso, na perspectiva da noticia, terá o consagrado intelectual brasileiro manifestado o desejo de com ele, primeiro-ministro, se encontrar, quiçá para ambos revisitarem as peripécias da “Ópera do Malandro”, ou então, mais ao gosto pós moderno do nosso governante, inverter a lógica poética e musical do “Operário em construção”, que teima em “atrapalhar o tráfego”...

Temos pois que o eng.º Sócrates, acompanhado de prestimoso fotógrafo e de ministro brasileiro (diplomacia oblige) se deslocou à residência de Chico Buarque que, por certo, prisioneiro do seu afecto por Portugal, não poderia negar a deferência...

E, está claro, a nossa acéfala comunicação social rejubilou. E apressou-se a disparar a notícia, para este lado do Atlântico, de que “Chico Buarque quis conhecer o primeiro-ministro...”

Acontece, porém, como é sabido, que Chico Buarque é homem de muito mundo. E se, porventura, os caprichos da diplomacia e as razões do coração o motivaram a aceitar o encontro, não se prestou, naturalmente, a ser emblema na lapela de Sócrates e fez saber que “foi o vosso primeiro-ministro quem pediu o encontro; aliás nem faria muito sentido ser eu pedir um encontro e ele ter que vir a minha casa...”.

Mas julgam que perante semelhante desaire – chamemos-lhe assim diplomaticamente – o nosso engenheiro embatocou?!...

Como se nada fora, assobiou para o ar, deu o dito por não dito e lesto, o seu gabinete admitiu ter havido “um erro na informação” e que foi Sócrates “quem manifestou, há algum tempo, a intenção de conhecer Chico Buarque...”.

Querem coisa mais natural e desculpável que um “erro de informação”, desde que limpe os embaraços do nosso Primeiro-ministro?... Por cá, já se sabia que era assim. Os nossos amigos-irmãos brasileiros, porém, que se cuidem. A moda pode pegar e botar fogo nos políticos do seu país.

Mas se assim for, recomendamos-lhe o original, que por mim, exportaríamos com gosto...

terça-feira, maio 25, 2010


Cá estaremos! Lá estaremos...

"Crepúsculo das religiões..."

“A recente passagem do Papa romano por terras de Portugal no meio da crise em que se debatem as nações europeias foi um acto simbólico premonitório de uma nova ordem mundial (económica, política, social, cultural e militar).

Não o de uma era que assiste ao fim da história, ou ao fim do mundo, como muitos profetas apregoaram, nem mesmo (pasme-se!) ao fim da ciência; mas sim o de uma época onde não há mais lugar para o predomínio das grandes religiões(...)

O incumprimento das promessas de uma vida melhor e mais justa, a incerteza que gera angústia sobre a falta de controlo do futuro, as crises estruturais do sistema mundo (que não se resolvem orando) tornam as pessoas mais vulneráveis a qualquer mensagem de esperança e de proximidade.

É esta a explicação para a profusão de seitas e de grupos de confissão religiosa diversa, de gurus e de videntes, a par com as representações locais das grandes religiões de outros continentes. (...)

As grandes religiões monoteístas e as respectivas visões do mundo são um produto histórico que se constitui sobre os mitos, as explicações e as representações anteriores do mundo, muitos de índole mágica (embora criassem imagens coerentes das comunidades e das suas relações com a natureza e servissem para a previsão e a tomada de decisões).

As grandes religiões excomungaram e proscreveram quaisquer crenças em poderes anímicos, considerando-as como explicitações do mal, como magia negra ou obra do diabo.

O monoteísmo sempre conviveu mal com a sexualidade (desaparecem as deusas da face da Terra). A sua índole reguladora, majestática, faz com que exista sempre uma explicação ou um princípio divino para garantir a ordem das coisas.

Centradas sobre a posse de território e dos seus recursos, as grandes religiões dividiram o mundo, guerreando-se com frequência, tentando impor os seus credos sobre os das outras. Mas foram elas o esteio moral que permitiu o estabelecimento das grandes civilizações. Bem como a sua capacidade de transformação da natureza. (...)

O último século presenciou um crescimento da população humana como nunca antes se vira. Novas desigualdades surgiram e as grandes aglomerações urbanas tornaram-se agressores primários do ambiente. A exclusão social e a luta pela posse dos recursos naturais estão na ordem do dia. (...)

Como conseguir transcender - através do mundo - valores não compatíveis, todos eles “universais”, todos eles baseados na revelação, no costume, na autoridade? De facto, todos declaram querer cooperar, mas têm por base nações divididas e catequizadas segundo percepções dificilmente harmonizáveis sem uma brutal alteração das relações sociais.

E todas as grandes religiões afirmam explicitamente sermos iguais, mas todas acreditam intimamente serem uns mais iguais do que outros, pela graça de uma escolha divina...

Naturalmente, nem a religiosidade (etimologicamente, a “ligação” ao outro, à terra ou ao cosmos) nem a importância do transcendente diminuiu nos nossos dias. Ambas residem e muito bem no foro íntimo de cada um e no equilíbrio que cada qual estabelece entre emoção e razão.

Como sabemos, a experiência individual transforma-se de acordo com o sistema técnico que sustenta a sociedade (...). Só uma visão do mundo que reconheça a igualdade de todos os seres humanos e o valor moral da sua participação na construção de um futuro para a nossa espécie estará adaptada a garantir as condições de sustentabilidade das sociedades humanas neste século.

Foi a ciência moderna - o grande suporte da competência técnica, da modernidade até hoje - que demonstrou inequivocamente a unidade profunda de todos os seres vivos no “seu” cosmos, baseada na sua estrutura atómica e molecular. A linguagem da ciência é a única que é verdadeiramente universal, que é falada e entendida do mesmo modo em qualquer lugar do espaço e do tempo.

É sobre ela que se podem hoje aproximar os povos, propondo soluções para as questões formuladas em conjunto. Apenas através da ciência se podem encontrar as formas mais adequadas de cooperação entre as diversas populações do globo.

É que nada é permanente. Estamos todos de passagem...”

João Caraça - Professor universitário. Director do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian - in “Público” de 23.05.10

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Uns breves dias ausente...
Nada têm a perder. Deixo-vos com um excelente artigo do Prof. João Caraça.

Beijos e  abraços.

domingo, maio 23, 2010

Lá onde o coração bate...

Estamos aqui no centro
(Que as margens são mera circunstância...)
E sabemo-nos mais que desfiladeiro
Ou passagem secreta de cavalgadas
No turbilhão dos dias...

Gestos de cristal puro
E brilho solar de coisas tão banais
Que os homens as inscrevem talvez sem o saberem
Como meta no quotidiano de cinza...

Dizem-nos derrotados no licor dos elogios
Como se fossemos história passada apenas
Nossa força porém
Não tem destino à vista...

(Na vertigem da águia o abismo é alimento!)

E lá onde o coração bate e o fogo se atiça
Como forja de um tempo onde a palavra se faz arma
(E a lágrima poema) aí onde ombro com ombro
O suor das sementeiras e os cânticos se misturam
Desenha-se a centelha e a forma
No rosto da pedra hora a hora esculpida...

segunda-feira, maio 17, 2010

Deus e o Diabo moram nos pormenores...

Da visita do Papa Bento XVI, retenho as imagens da partida (sem ironia). Faraónico, em seu “papa-mobile”, ladeado de afogueados seguranças e a rua serpenteada pelo fervor dos fiéis, o Papa saiu do país em contra mão...

Fantásticas as imagens, à saída do edifício da Câmara Municipal do Porto em direcção ao aeroporto. Vindas do céu, as câmaras de televisão davam a profundidade do séquito, em movimento sobre o negro do alcatrão, onde a alvura imaculada (como as vestes do Papa) das enormes setas inscritas no solo apontava a direcção de trânsito, exactamente no sentido inverso ao percorrido pela comitiva.

Certamente que expeditas razões de segurança assim o determinaram. Mas, como bem se sabe, todas as coisas falam, quer dizer, qualquer facto, imagem ou acontecimento social é susceptível de significar para além do respectivo “valor facial”... No caso, as imagens explodem em sentido e o seu impacto submerge as meras contingências ou as eventuais razões de segurança.

Por outras palavras, o contra mão do Papa ganha expressividade plena de significado... E, como todos os símbolos, susceptível de várias leituras, conforme o lugar ideológico donde se parte. Certamente que para os fiéis católicos, para quem, ao Papa, todas as subjugações são devidas, será natural este atropelo das regras instituídas. E estas palavras serão, provavelmente, uma mesquinhez mal intencionada, quando não uma afronta...

Mas para quem, respeitando a figura do Papa e a fé dos católicos, se coloca em posição exterior à ideologia da Igreja, ao efeito das suas interpelações e de suas práticas, não pode deixar de reconhecer, nesta (pequena) transgressão das regras de direito, um gesto (discreto que seja) do poder imperial do Papa, a que o Estado Português se rendeu e foi sujeito empenhado no decurso da visita papal...

“Vejam como o Papa é grande e a sua Igreja intemporal, pois que não há regras terrenas que não se submetam à sua gloriosa majestade...” – assim “falam” as enormes setas brancas, implantadas no solo negro, subvertidas pelo séquito papal, na ordem que apontam e no sentido (de trânsito) que indicam...

E, deste distanciamento sacral perante os homens comuns para quem as normas – incluindo as de trânsito, helás!... - são estabelecidas, se revestem todas as dignidades e se constroem os mitos. Todos os mitos... Que luzem na cabeça das pessoas, por força da ideologia em que estão impregnados, bem acima e para além da condição humana e das contingências históricas.

Dir-me-ão, mas a imensa multidão que bordejou as cerimónias, nos diversos espaços, não será justificação bastante para que o Estado português se tenha rendido ao fascínio da ideologia católica, bem sabendo nós que a ideologia nunca se reconhece como “ideológica”...

Entendamo-nos. O papa Bento XVI merece todas as honrarias dignas do Chefe de Estado do Vaticano. O que aqui está em causa é a submissão do Estado português, que se pretende republicano e laico, isto é, indiferente à interpelação da ideologia religiosa, deslumbrado (quero acreditar que não rendido) com os “efeitos especulares” (e espectaculares) do catolicismo romano. (Confesso que cheguei a recear o veto presidencial da nova lei de casamento civil, após a visita papal).

Uma última nota sobre este tema, recolhida de notícias da imprensa. Na despedida do Papa, os pescadores da Afurada engalanaram os barcos do rio Douro na esperança, que se revelou vã, de merecerem uma paragem, um gesto, talvez uma oração de Sua Santidade, no seu apressado percurso.

Mas o sucessor de Pedro – o pescador - sobre cujos ombros se construíram os alicerces da Igreja de Cristo, não se dignou...

Também este “não gesto” papal está prenhe de sentido. Resulta claro que, para Sua Santidade, o mundo do trabalho não entra nas suas doutas preocupações teológicas...

O que permite dizer que, para além do contra mão no trânsito do Porto, o Papa Bento XVI caminha em sentido contrário ao percurso da História...

terça-feira, maio 11, 2010

O Partido Comunista, os católicos e a Igreja

"Muitas vezes o Partido Comunista Português tem definido a sua posição em relação ao problema religioso, aos católicos e à Igreja. O Partido Comunista tem afirmado e reafirmado os seus princípios de respeito pela liberdade de crença e de prática de culto e o propósito de fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para que tais princípios sejam uma realidade no Portugal democrático de amanhã.

O Partido Comunista, ainda que tendo como base teórica o materialismo dialéctico, entende que as convicções religiosas, por si só, não são susceptíveis de afastar os homens na realização de um programa social e político e que, desta forma, comunistas e católicos podem e devem unir-se em defesa dos seus anseios comuns, em defesa dos interesses e aspirações dos deserdados e ofendidos, do povo e do país.

O Partido Comunista tem assim proclamado a sua vontade de união com os católicos e, na prática da sua actividade, tem demonstrado a sinceridade das suas afirmações.

A esta nossa posição de concórdia, de entendimento, de unidade, que resposta têm dado os católicos? Aqui há que distinguir. Por um lado, os trabalhadores católicos, assim como muitos católicos progressistas, particularmente jovens, têm compreendido a necessidade desta união e têm engrossado a frente da luta pelo pão, pela liberdade, pelo progresso e pela independência.

Por outro lado, a Igreja Católica, pela boca dos seus mais autorizados representantes, como o Cardeal Cerejeira, altos dignitários e imprensa, longe de uma posição de concórdia e tolerância, têm tomado uma posição política clara, pregando o ódio aos comunistas e outros democratas e aconselhando o apoio ao salazarismo.

A Igreja intervém assim activamente na política, colocando-se ao lado da ditadura fascista contra as aspirações democráticas do povo português.

Altera isso a nossa posição em relação aos católicos? Não, não altera. Nós, comunistas, defensores do nosso povo e da nossa pátria, continuamos desejando sinceramente a unidade com os católicos progressistas na luta pela realização das nossas comuns aspirações..."
(...)
Álvaro Cunhal
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Texto publicado no jornal «Avante!» em 1947.
Reeditado pela Editorial Avante em 2007, nas Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal - Tomo I, pp. 789-812
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O artigo integral em Socialismo

sexta-feira, maio 07, 2010

Adriano Correia de Oliveira Tejo Que Levas as Águas

“Cavalo velho não toma andadura...”

Era inevitável. O patriarca, ungido pelo fogo sagrado, desce da Montanha e decreta, em sua supina beatitude, que os trabalhadores, face a premência da crise, “não devem trazer agitação às ruas”. E, profético, proclama, de dedo em riste: “façam-no e verão o que os espera...” .

Qual papa laico, aponta o caminho da redenção – oferecer a outra face à violência da exploração capitalista...

Como bem se sabe, (embora por vezes a memória dos homens seja curta) o patriarca laico esteve na génese do processo de inversão dos valores de Abril, que em seu parto generoso, para além da explosão de liberdade, visava prosseguir também objectivos de desenvolvimento social e de maior igualdade entre os portugueses, numa democracia que se almejava ao mesmo tempo, política, económica e social.

Cedo, porém, os objectivos de maior igualdade e participação se diluíram, na exacta medida do processo de recuperação capitalista e os direitos sociais, cívicos e políticos, tão duramente conquistados, se foram aviltando pela mão dos antigos e modernos senhores do dinheiro e dos solícitos governos, que mais não foram (e são) que empenhadíssimos agentes dos seus interesses políticos.

Com especial zelo dos variados governos do Partido Socialista, quod erat demonstradum, isto é, conforme o Eng. Eng.º Sócrates dá veemente testemunho...

Neste processo, de quando em vez, sempre que os interesses do seu clã ou os seus objectivos políticos assim o determinam, desce à ribalta o patriarca laico e, emplumado, pavoneia as suas credenciais de democrata e “homem de esquerda”, pois claro!, e... “indigna-se” contra as injustiças e, na emergência actual, quanto ao estado do Mundo e a “falta de regulação dos mercados”.

Aliás, “europeísta convicto”, perante a ineficiência dos órgãos da União Europeia, tem até a receita pronta para subjugar a arrogância teutónica – um governo federal para a Europa. Assim, sem tirar nem por...

Por cá, já se sabe, continuamos a voar baixinho. Nunca, como hoje, foi tão grande, no Portugal de Abril, a fractura social e a distância entre ricos e pobres e, presentemente, é eminente o risco de se acentuarem ainda mais gravemente as desigualdades sociais.

A causa do défice (que tudo justifica) reside, porém, nos milhares de milhões de euros que saíram do Orçamento de Estado para tapar os rombos e a má gestão de determinados grupos financeiros e económicos. Não foi para salários, subsídios de desemprego, prestações sociais ou pensões de reforma.

Ou para investimento produtivo no desenvolvimento do País...

Os baixos rendimentos dos portugueses contrastam com os lucros dos grandes grupos financeiros e com as escandalosas remunerações recebidas por dirigentes de empresas, designadamente, as empresas públicas. E com os paraísos fiscais. E com a ostentação de riqueza. E com a fuga aos impostos. E as mordomias e os compadrios e os injustificados privilégios de uns tantos. E com as actividades especulativas. E com o enriquecimento ilícito e a corrupção grande escala...

Perante isto que nos diz o patriarca laico? Diz para baixarmos a bolinha e não protestar! Como se não fosse possível e urgente retomar os caminhos de Abril...

Aliás, este prestimoso conselho para “sofrer e calar” não é inocente. Inscreve-se perfeitamente na velha e reaccionária proclamação de que “os pobres e os desempregados (e os trabalhadores em geral) são uns malandros”. Quase se lhes aponta a culpa pela situação em que se encontram...

Mas quem são os malandros neste país? Os desempregados ou os que, muitas vezes, por ganância, os colocaram na miséria? Os que recebem subsídio de desemprego, cada vez mais parco, ou os que se apropriam de milhões de forma gananciosa?!...

Sobre isto o velho “socialista”, republicano e laico faz orelhas moucas...

Sejamos justos – “indigna-se”, de vez em quando! Numa indignação de roupão e chinelos, enquanto cá fora a crueza da vida nos interpela à insubmissão e à luta...

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...