sexta-feira, abril 30, 2010

A Mulher de Vermelho

rasgam-se as cortinas e sob o foco a Mulher
esguia como o tempo liberto. o punho
erguido ao céu da praça cheia e às canções.
Maiakovski declama em métricas guturais
“abram alas ao futuro que perpassa nas dobras
do manto vermelho!...”

a Mulher inclina-se em dignidade fantástica
segura na mãos a flor dos dias e nos olhos
o fervor prenhe de lonjura e de distância
e a palavra ousada nos lábios escarlate
como a túnica...

inflama-se o tempo...

uma criança soletra Liberdade
nas pétalas desfolhadas do cravo rubro
que a mãe lhe dera com o leite
e o pai sorri com os imaculados dentes
da fome. com o grito. com a guerra.

e ergue o punho à Mulher de Vermelho
que o acolhe no seu seio de cristal...

viva o 1º de Maio 
ecoa o vermelho da tarde...
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Peço desculpa pela ausência. E pela reposição do poeminha.
Em breve regressarei ao vosso convívio.
Beijos e abraços

sexta-feira, abril 23, 2010

Eu vim de longe

Viagem que teima...

Solta-se a cratera e os afectos
Desenham indeléveis traços. Breves esquissos
Moldando os rostos. Resolutos...

Bêbados os olhos das crianças
Que não sabem ainda o dia claro.

E os pais caudal imenso do rio que desatam.
Comportas abertas em peito uníssono.
Gargantas que o sonho embarga
No aluvião sem margens de seus passos.

O tempo é malho e forja. E o balançar de barcos
Fundeados sobre o Tejo. E os ritmos cruzados.
E a viagem que teima. Caravelas.

E fio dos dias...

E os pulsos abertos.
E pão que dói e a ferida azada. Procelas.
E o sal que salga. E a mágoa...

E as vozes que libertas não se calam.
E os homens que resistem...
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25 de Abril, Sempre!

segunda-feira, abril 19, 2010

Foi publicado, recentemente, o nº1711 – Primavera de 2010 – da revista “Seara Nova”.

De destacar neste número, para além de outros temas da actualidade, os documentados artigos que compõem “dossier ambiente” e o artigo de D. Manuel da Silva Martins, que se transcreve:
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Onde andará a esperança?

“Este mundo, que todos os dias é outro, não me deixa adivinhar onde verdadeiramente estou. Sinto-me um pouco perdido no meio de tanto avanço científico e tecnológico, mas também de tanto recuo e de tanta confrontação. E foco-me a pensar: para onde vamos?

E não me faço esta pergunta só pelo mau trato que estamos a dar ao planeta, mau trato que há-de levar a humanidade ao suicídio, se não houver um retrocesso rápido nos nossos comportamentos.

E não me faço esta pergunta pelo desemprego galopante que a técnica paradoxalmente provoca e os sistemas económicos que nos regem aumentam cada vez mais.

E não me faço esta pergunta pela corrupção que se instalou em Portugal, tudo dando a indicar que veio para ficar. E não me faço esta pergunta pela imoralidade de tantas leis laborais que atingem o homem nos seus direitos fundamentais.

E não me faço esta pergunta pelas desigualdades gritantes que se cavam entre ricos e pobres, entre os que comandam a vida económica e os que por ela são explorados.

E não me faço esta pergunta pela incompetência de tantos governantes a que tantas vezes se alia o pendor para o compadrio e para injustiças de toda a ordem, com o consequente descontentamento de toda a população.

E não me faço esta pergunta por causa de tantas leis injustas que vão dar fundo à chamada ética republicana que de ética não tem nada. Nem sequer me faço esta pergunta por comportamentos anunciados que poderão atacar os fundamentos de uma sociedade, que se quer desenvolvida no respeito pelos valores e pela dignidade da pessoa humana.

Estamos numa sociedade onde as preocupações andam mais pelos ramos do que pelo tronco, mais pelo objectivo do que pelo substantivo, mais pelo foguete do que pela festa. Não estamos bem e receamos ir de mal a pior. Sentimos a sociedade doente e a perder a esperança de recuperação. Vai-se dizendo que Portugal está a fugir de Portugal.

Para conseguir uma sociedade minimamente feliz, precisamos todos de nos darmos as mãos e avançar para acções que, por vezes, até pareçam politicamente incorrectas.

De quanto disse e do muito mais que poderia dizer quem anda cá pelo chão, resulta que urge uma grande atenção ao mundo que construímos e que é de todos nós, um olhar crítico a quanto se promete, se projecta e (não) se faz, uma sensibilidade atrevida e no terreno, sempre que estejam em causa dignidade, direitos, deveres e valores.

Portugal está a esvaziar-se de valores e a responsabilidade é de todos nós que muitas vezes falamos quando não é preciso e calamo-nos quando deveríamos gritar. Não esqueçamos, por favor: o que é de todos, o que é da responsabilidade de todos, por todos deve ser assumido. Sem perda de tempo. Chorar só, não chega..."

D. Manuel da Silva Martins - Bispo Emérito de Setúbal

quarta-feira, abril 14, 2010

Deslaçamento...

"Quando, há já umas semanas, ouvi um deputado do PCP José Soeiro (saravah, José Soeiro, digo agora eu!) subir à tribuna falar da luta dos mineiros de Neves Corvo, em Castro Verde, senti uma forte sensação de irrealidade, uma espécie de distância imensa entre tudo e tudo, o deslaçamento enorme que Portugal atravessa, sem direcção nem destino.

A pergunta que se me atravessou - e atravessou é o termo mais exacto - era: mas quem é que quer saber dos mineiros de Neves Corvo para alguma coisa? Mas a pergunta atravessada era na realidade outra: mas quem é que aqui, nesta sala, quer saber dos mineiros de Neves Corvo para alguma coisa?

Podia-se dizer que os comunistas querem, mas mesmo nesse sentido seria possível desvalorizar esse “querer”. No fundo, o que se passava era a mais standardizada das situações. Um deputado comunista alentejano, a falar de trabalhadores alentejanos, que são na sua maioria seus eleitores, e a enunciar uma clássica reivindicação sindical defendida por um sindicato que é também constituído na sua maioria por comunistas (...).

E era a função clássica de representação do “seu” eleitorado: os comunistas falam para o "seu" Alentejo, como os deputados da Madeira e dos Açores falam para os madeirenses ou os açorianos.

Mas não era só isso. Havia uma diferença...

E de novo a pergunta atravessada passou para outra expressão, muito mais atravessada, essa sim também muito mais complicada porque já caminhava para fora da pergunta, para uma resposta: por que razão nós falhamos a estes homens, nós falhamos aos portugueses como os mineiros de Neves Corvo, que mais do que quaisquer outros precisam de bom governo, porque são os mais frágeis, os primeiros a pagar os custos das asneiras que são cometidas lá longe, em Lisboa, num outro mundo tão distante do Alentejo como a Lua.

O pano de fundo das perguntas atravessadas é a, para mim, clara e evidente percepção da enorme, gigantesca indiferença com que olhamos para estes homens, os mineiros de Neves Corvo. Eles não são mais do que uma longínqua perturbação noticiosa na sua greve (entretanto suspensa), a que na Assembleia reagimos com total desatenção.

É quando muito uma coisa para os comunistas (...) ou uma excrescência anacrónica de “neo-realismo”, que não merece nem um parágrafo no mundo modernaço dos gadgets em que se entretém o primeiro-ministro, nem os interesses dos blogues finos da direita e dos blogues fracturantes da esquerda.

Este não é o Portugal deles, esta é a face póstuma de um Portugal que eles desconhecem e abominam, que vota politicamente errado (embora votem nos únicos que dão voz aos seus interesses, (...) que não éfashionable, não tem “marca" nem griffe, nem aparece no Time Out dos urbanos da moda, nem tem graça para ser gozado em qualquer programa menor de humor, como os que proliferam hoje por todo o lado.

Se aparecem nos jornais é como arqueologia industrial, arcaísmo, anacronismo, ou, pior ainda, folclore local, que é visto com a distanciação de uma bactéria exótica.

Os problemas sociais são para muita gente uma maçada. Melhor: as diferenças sociais e a contratualidade que daí surge são para muita gente uma maçada (...). Mas os mineiros de Neves Corvo existem, estão lá, à superfície e no fundo, vivem nas suas aldeias e vilas, com famílias, presas num Portugal tão profundo como o das minas onde trabalham (...).

Tinham duas reivindicações: o aumento do “subsídio de fundo” e a “comparticipação de Santa Bárbara" (...). O “fundo” era o fundo das minas, um lugar que dificilmente imaginamos na sua dureza, mesmo que as minas já não sejam como as do Germinal.

Mesmo assim, quanto vale trabalhar nestas condições? Como é que calculamos com justiça o valor de um trabalho duríssimo e perigoso? Não sei. Só sei que não pode ser calculado apenas em termos de pura “racionalidade económica” como agora se diz (...).

Isto é o Portugal que falhamos, o Portugal que ignoramos, o Portugal que deixamos deslaçar, fragmentar, perder-se numa deriva para a obscuridade que as luzes do espectáculo fátuo em que vivemos não alumiam.

E, no entanto, há muito desse Portugal lá fora: mineiros, pescadores, agricultores, operários, trabalhadores da construção civil, empregadas da limpeza, marinheiros, gente que faz os trabalhos menos qualificados nos hospitais, nas escolas, nas autarquias, numa deriva para a pobreza, para o desemprego, para o fim da breve esperança de um Portugal melhor e mais justo. (...)

Mas o nosso drama é o deslaçamento entre os dois mundos, a perda de contacto entre as realidades sociais diferentes, o afastamento de portugueses dos portugueses e a ignorância, quando não a indiferença, que os afasta uns dos outros. É por isso que não queremos saber para nada dos mineiros de Neves Corvo e da sua arcaica greve.

Na verdade, nunca houve muito cimento entre os portugueses, mas agora há menos e tudo trabalha para que ainda haja menos".

José Pacheco Pereira – Historiador e Deputado - in “Publico”- 10.04.2010 -Excertos do artigo.
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Tudo me distingue do autor deste artigo (até as barbas). Mas não deixo, por isso, de reconhecer nestas palavras uma actualidade pungente. O que apenas revela que os espíritos heréticos por vezes se encontram...

domingo, abril 11, 2010

"Libération" - problemas de impressão em Portugal...

Segundo o Expresso, o “Libération” não saiu em Portugal na 5a feira, 18 Março, devido a “problemas de impressão”...

Se quiserem compreender quais problemas de impressão a impedir a publicação do tal exemplar do "Liberation" em Portugal, é só carregarem no link abaixo e, rapidamente compreenderão porque é que a rotativa falhou nesse dia...

sábado, abril 10, 2010

O outro lado da sombra...

Gota a gota
O calcário da água...

Estalactites de dor
Fendendo o silêncio
E o outro lado
Da sombra...

Sublimação de catedrais
Moldando
As ruínas do rosto
E o compasso
Das horas...

Hino da pedra
Sob o corpo da palavra
Celebrada...

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...