segunda-feira, novembro 30, 2009



Nada
Apenas Magritte na paisagem
Sob a árvore
E a majestosa gralha
Cuidando as penas depois da chuva
Breve

E o caprichoso melro circular
Em voo trinado
Assediando o galho
E o sol ligeiro.
Por certo o beijo

Apenas melro e gralha

No céu
O anjo negro cavalgando a nuvem
Assim eu descendo nas asas do milagre
Sem outra grandeza ou glória
Ou outro instante de lume

Apenas
A repentina gralha
E o voo do pássaro
Ou a neutra rosa
Afadigando-se em ser

Talvez Magritte
Tecendo apenas as cores da árvore

quinta-feira, novembro 26, 2009

Sobre o Crucifixo nas Escolas...

“Um recente Acórdão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos de Estrasburgo causou um grande escândalo ao admitir a denúncia de uma cidadã italiana sobre a presença de crucifixos nas escolas como um atentado contra a liberdade dos pais para educar seus filhos de acordo com as suas convicções e contra a liberdade de religião dos próprios alunos.

Os católicos apostólicos romanos fizeram grandes protestos de escândalo. Não os cristãos. Porque também há cristãos que não são apostólicos romanos e não consideram que o símbolo da cruz seja um valor essencial. E no que respeita ao acórdão do Tribunal Europeu está longe de ser ofensivo para aqueles que, como eu, são ateus, ou não têm religião. Tão pouco me parece ofensivo para os que professam outra qualquer religião.

O extraordinário desta sentença destinada a provocar não só escândalo, mas também debate e confronto, é que irrompe na realidade italiana que vive - viverá? - inveteradamente à sombra do poder da Igreja romana.

Visto assim, a sentença é uma crítica profunda a seu símbolo por excelência, a cruz. Uma simbologia imposta, colocada em todas as escolas, colégios, hospitais e oficinas como senha de identidade de nossa cultura. Uma omnívora cultura de Estado. E os católicos não renunciarão facilmente à ideia de que são os gestores da religião de Estado.

Mas o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem entendeu, não por acaso, que alunos de todas as idades poderão considerar a presença dos crucifixos nas aulas como evidente símbolo religioso e que, por isso mesmo, os poderão condicionar nas suas opções: ainda que estímulo para as crianças católicas, a presença do crucifixo poderá ser um condicionamento e um transtorno para as crianças de outras religiões ou para crianças de famílias ateias.

Estala então a ira do Vaticano. O governo de centro-direita acusa a oposiçao democrática e balbucia (“e uma questão de cultura, de tradição”). Muito bem; abramos, pois, o livro negro dessa cultura e dessa tradição.

O catolicismo da Igreja romana esconde, por detrás do crucifixo interpretado como redenção, uma cultura e uma história de violências, atropelos e guerras. Em nome da cruz se hão cometido grandes malfeitorias, cruzadas, inquisições, saques e matanças no Novo Mundo, a bênção aos impérios e aos “homens providenciais” (ditadores, digo eu).

Sem esquecer que até ao século XIX, o catolicismo proibiu traduzir a Bíblia e os Evangelhos nas línguas comuns.

Em nome desse “símbolo” se têm cometido os crimes mais atrozes. E se continuam cometendo agressões contra os direitos dos homens e a condicionar o conhecimento e a liberdade individual e sexual.

Se é “nossa cultura”, segundo declaram a intrépida ministra Gelmini e o “pontífice” Buttiglione, quem, por cima, qualifica de “aberrante” a sentença de Estrasburgo, - porque não falamos do lado obscuro da cruz como simbologia de poder? Para estes paladinos, é como se disséssemos: o espaço do visível, da iconografia quotidiana da realidade, é meu, a manipulação (ideológica) eu a coloco nos emblemas que eu decido

Aí é que está o erro...

A Conferência Episcopal esganiça-se: a sentença é “ideológica”. Que nos fale da violência na cultura histórica da Igreja apostólica romana, das fogueiras contra a razão herética, que fez avançar a Humanidade. Se o que se quer defender é a sua origem de salvação para todos, então há então aceitá-lo e adaptá-lo ao presente, porque, inicialmente, a cruz não era mais que o sinal para identificar os lugares clandestinos de oração e culto; não um símbolo imposto, que poderia valer como ritual (...) hostil aos demais, a outras culturas, histórias e religiões.

Oxalá a realidade que nos rodeia e, sobretudo, a realidade formativa das escolas, seja um espaço criativo, livre de religiões, sem impor, a quem quer que seja, obrigações opressivas oriundas de valores religiosos”


Dario Fo, escritor e dramaturgo italiano, Prémio Nobel de Literatura em 1998

ver SinPermisso
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Ora aqui está um "tema fracturante" que seria bom ver incluido na agenda do Governo e debatido no Parlamento!

quinta-feira, novembro 19, 2009

"Alegre" Justiça a do País...

"O Diario de Noticias, jornal que tem imposto aos seus correspondentes o hábito das informações escrupulosas e sérias, inseria ultimamente uma carta de Gouveia em que era narrado este caso: “Um marido matara sua mulher, partira-a aos pedaços, fora preso e condenado” .

E reparem bem: “É condenado a varrer as ruas de Gouveia!”

De modo nenhum queremos limitar os maridos no direito de decepar suas mulheres. São miudezas domésticas em que não intervimos. Nunca se dirá que as "Farpas" se arrojam indiscretamente sobre o seio das famílias. Que os maridos, quando lhes convenha, para melhor organização do seu interior, partam suas mulheres aos pedaços - coisa é que nem nos escandaliza, nem nos jubila!

Talvez não imitássemos esse exemplo: não por nos parecer fora das atribuições maritais, mas por se nos afigurar excessivamente trabalhoso o partir aos bocadinhos uma consorte estimada! E entendemos que quando um marido se sinta dominado pelo desejo invencível de partir alguma coisa - é mais simples ir à cozinha trinchar o roast-beef do que à alcova retalhar a esposa!

Não nos espanta também o castigo infligido pelo meritíssimo juiz de Gouveia. Nós não temos a honra de conhecer Gouveia. O código, é certo, marca uma pena diversa, não prevendo esse castigo de varrer as ruas de Gouveia - de resto todo local. Mas quem sabe se não será uma tremenda penalidade - o limpar as ruas de Gouveia!

Talvez mesmo o juiz - por lhe parecer insuficiente degredo perpétuo - rompesse no excesso arbitraria de entregar aquele facínora ao suplício imenso de limpar as ruas da sua vila. Bem pode ser que aquele marido esteja cumprindo uma sentença pavorosa, e que o devamos lastimar mais que os infelizes que S.M. Alexandre II da Rússia (que Deus guarde e muitos anos conserve em prosperidade e gloria) manda trabalhar, ao estalo do chicote, nas minas de Orilieff! A imundice da província tem mistérios.

Limpar as ruas de Gouveia será talvez a pena que de futuro adoptem, em substituição da pena morte, os códigos da Europa. Que grande honra, meus amigos, para a sujidade nacional!

Mas uma coisa nos ocorre: - e é que, d'ora em diante, varrer as ruas deixa de ser um emprego municipal, e começa a considerar-se uma pena infamante. E pode acontecer que os Srs. varredores de Lisboa - não querendo, por uma susceptibilidade exagerada, passar por terem assassinado suas esposas, deponham com gesto de desdém o cabo das suas vassouras nas mãos atarantadas da câmara municipal!

Por outro lado, dada esta greve, nenhum cidadão se quererá incumbir de limpar as ruas. Há gente tão meticulosa, tão escrupulosa, que embirraria que os vizinhos a suspeitassem de ter empregado o trinchante na pessoa da sua consorte. A única pessoa que afoitamente ousaria varrer as ruas seria aquela de quem se não pudesse suspeitar um crime, aquela que fosse pela lei do Reino declarada irresponsável.

Ora há só uma neste caso. É o chefe do Estado! Esse é o único que poderia varrer as ruas sem que ninguém se lembrasse de pensar que elas andavam ali, ás vassouradas, por sentença de um tribunal. Esse é irresponsável: não comete crimes, nem sofre penas.

Mas seria realmente atroz que S. Exª. se visse obrigado, depois do teatro, a ir, por essas vielas, melancolicamente seguido da sua corte, levando, de vassoura em punho, adiante de si, em nuvens de poeira, a imundície dos seus vassalos!

Que a justiça pois nos esclareça sobre estes pontos: se limpar as ruas é uma penalidade nova, e se, a troco de quatro vassouradas, qualquer cidadão pode ter a vantagem de espatifar sua esposa: se a imundice especial e pavorosa das ruas de Gouveia torna realmente essa pena igual à de degredo: ou se o sr. Juiz de Gouveia entende que matar a esposa é acto tão meritório que merece um emprego remunerado pela câmara.

Esperamos, modestos e respeitosos, as respostas dos poderes públicos"


Eça de Queiroz – “Uma campanha alegre” – in “As Farpas”

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Não há dúvida que a nossa Justiça tem tradições de vanguarda! Hoje, nossos doutíssimos juízes já não condenam ninguém a varrer ruas. Mas nas mais altas instâncias judiciais, ao que parece, defende-se a anulação das provas do crime. Sempre é mais eficaz. E higiénico, convenhamos...

Ao ritmo do tempo, que da imundície faz lucrativa sucata...

domingo, novembro 15, 2009

A Consciência é a voz da alma?

Um amigo da "velha guarda" remeteu-me este video que quero partilhar convosco, com os comentários que o acompanham...

Acrescento apenas que, tal como a arte, também a política interpela a consciência e a "voz da alma". Sem o que a auto alienação (da política) levará "à sua própria destruição", ou seja, ao fascismo...

Grato, E.B.

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"Ao ver este magnifico video sobre a estetização da violência, que também comporta a sua banalização fui buscar este texto escrito por Walter Benjamin em 1936.

”Fiat ars, pereat mundus” (Que a arte se realize, mesmo que o mundo deva perecer) diz o fascismo e, como Marinetti reconhece, espera que a guerra forneça a satisfação artística da percepção dos sentidos alterados pela técnica.

Isto é, evidentemente, a consumação da l'art pour l'art.

A humanidade que, outrora, com Homero, era objecto de contemplação para os deuses do Olimpo, é agora objecto de auto contemplação. A sua auto alienação atingiu um grau tal que lhe permite assistir à sua própria destruição, como um prazer estético de primeiro plano.

É isto que se passa com a estética da política, praticada pelo fascismo.

O comunismo responde-lhe com a politização da arte..."


Walter Benjamin, in "A obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica"

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La conciencia? Es la voz del alma? El "suicidio" moral de la humanidad al olvidar la ética para pasar a la "estética"...

Que cada quien saque sus propias conclusiones de éste, que bien podría serun documental muy representativo sobre aquello en lo que nos hemos convertido
.

terça-feira, novembro 10, 2009

Somos o que somos...

Densa a poalha agora
Cortada na liquidez do ar
Pingos de tempo na memória inútil...

E no entanto breve
Solta-se o horizonte
Abraçando as margens...

Quem nesta miragem se perde?
Quem inatingível
Declina o verbo na paisagem?

Quem das veredas os sons
Inaudíveis e a fúria azul
Dos tambores?

Somos o que somos:
Apenas o que nos braços cabe
E o fios que tecemos em cada rosto...


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Uma breve ausência. Boa semana...
Beijos e abraços!

sábado, novembro 07, 2009

Uma agenda invertida...

Foi aprovado, na Assembleia da República, o programa do Governo, saído das últimas eleições legislativas, presidido, pela segunda vez, como bem se sabe, pelo Eng.º José Sócrates. Tudo conforme com as regras e os ditames constitucionais.

De facto, o Partido Socialista foi o partido mais votado no contexto do espectro político concorrente às eleições, o que, naturalmente, lhe confere legitimidade constitucional para formar governo.

Indiscutível e consensual, portanto, como aliás consta dos anais da Pátria, quer dizer, das páginas do Diário da República e das crónicas dos “fazedores de opinião”.

Porém, nestas coisas da política, (como nas banais coisas da vida) há sempre um “mas” que, perversamente, vem perturbar os desejos mais cálidos e a lançar a perfídia da dúvida nas mais quentes perspectivas. Mal comparado, já se vê, os “mas” funcionam como uma espécie de “Caim” (saravah, José Saramago!) que desafia a ordem universal das coisas previstas, para não falar nos altos desígnios de Deus...

Enfim, os mas são uns desmancha-prazeres...

No caso que é aqui nos traz, há um mas que corre o risco de provocar sérios engulhos na sempre expedita palavra do Eng.º Sócrates e perturbar a jactância da sua acção política.

É que, tendo embora a apoiá-lo o partido mais votado, o que lhe permite formar Governo, a verdade é que, nas últimas eleições, deu um enorme trambolhão e, de uma fagueira maioria absoluta, tombou para uma arreliadora maioria relativa, perdendo umas largas centenas de milhar de votos e um vasto leque de deputados.

Ora, “perder é o contrário de ganhar” como diria a conhecida colunável...

De forma que, o Eng.º Sócrates tem a legitimidade necessária para formar Governo. Porém, quanto à substância da coisa, quer dizer, quanto ao exercício do poder, magna questão de que toda a legitimidade política se reclama, é que a porca torce o rabo.

“Hoc opus, hic labor est”, já diziam os romanos, quando confrontados com as duras realidades da escolha nas encruzilhadas da vida. Sem maioria, Eng.º Sócrates está metido, portanto, numa camisa de onze varas (salvo seja...), pois que, à esquerda e à direita, parece que ninguém quer, para já, assumir as suas dores políticas ...

Mas o homem, como bem sabemos, é pertinaz. E não vai esmorecer por múltiplos que sejam os obstáculos, reais ou talhados à medida, que a Assembleia da República, ou a comunicação social, lhes semeiem pelo caminho.

Presumo até que, qual Colombo de velas emproadas, descobriu uma nova fórmula do ovo para manter o equilíbrio: piscar à esquerda para guinar à direita, na “melhor” tradição, aliás, do Partido Socialista no post 25 de Abril...

Ao que consta, neste seu desígnio, reservará, magnânimo, às esquerdas os chamados “temas fracturantes” mais uns pozinhos de perlim pim pim na área social e concederá à direita as alavancas da economia, com a agenda, mais ou menos conhecida, das privatizações do que resta do sector público e manutenção do Código do Trabalho.

E a enfeitar o cenário, uma luzidia Secretaria de Estado para a Igualdade, ou não fora o Eng.º Sócrates um paladino da igualdade, como demonstram sobejamente os quatro anos de governo anterior e as estatísticas europeias que, como se sabe, nos dão como país vanguarda em matéria de desigualdades...

Seremos, então, decididamente “pra frentex” na proclamada “igualdade de género”, introduzindo na ordem institucional o casamento entre pessoas do mesmo sexo, enquanto que vergonhosamente se rasgam valores históricos de igualdade nas relações de trabalho, que afectam milhares de pessoas, desprotegendo cada vez mais a parte mais vulnerável da sociedade portuguesa...

Com respeito devido pelas opiniões (e opções) que não são as minhas, poderá o Eng.º Sócrates alargar assim a sua base de apoio a gays, lésbicas e afins e, expedito, ocupar o espaço mediático com os temas fracturantes, mas decididamente “não passará” na rua sem vivos protestos e luta decidida, pela sua acção política deletéria, em termos económicos e sociais...

É que “modernidade” é mais que lantejoulas vistosas, que se podem usar e descartar em desfiles de vedetismo; traduz, sobretudo, o compromisso fecundo com a emancipação do Povo a que pertencemos e que as desigualdades económicas, sociais e culturais (que prevalecem), desenham sem horizonte, nem glória, como inelutável destino...

domingo, novembro 01, 2009

Cálida brisa...

Solitária escrita de teus passos
Ténues marcas sobre a praia ainda virgem
E a descoberta do infinito manto de nada
E o prazer íntimo de caminhar descalço
Pura sensação de tudo...

Nada nos pertence. Apenas o solicito olhar
Sobre o grão de areia que somos
E a cálida brisa no rosto
Onde derramamos os afectos...

Assim a vida,

António.

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...