segunda-feira, outubro 27, 2008

A OCDE endoidou?!...

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), em relatório recente, afirma que Portugal é um dos países onde é maior o fosso entre ricos e pobres e garante que, em matéria de desigualdades, ombreamos com os Estados Unidos – haja Deus! - ficando apenas atrás da Turquia e do México. Em alguma coisa o País deveria atingir os lugares cimeiros, não vos parece?...

Há porém, quem diga que este lugar no pódio é uma cabala contra o Governo Sócrates. Outros, mais afoitos, sustentam que se trata de uma maquinação para desacreditar os sucessivos governos PS e PSD – acolitados ou não pelo CDS. - que geriram os destinos nacionais, nos últimos trinta anos. Outros ainda, mais desbragados e mal aconselhados por leituras subversivas, não se coíbem em considerar que as desigualdades económicas e sociais estão inscritas no ADN do sistema capitalista. Gente maldizente, está bem de ver...

Por mim, atrevo-me a afirmar que o senhor Michael Foerster, um dos principais autores do estudo, deve estar ao serviço de qualquer agência do mal, quiçá ser um perigoso terrorista, merecendo aliás ter a cabeça a prémio no glorioso mundo capitalista, onde a justiça social, como se sabe, é um valor inestimável... sempre adiado!

Veja-se o caso de Portugal, por exemplo. Desde o ex-primeiro ministro Cavaco Silva a José Sócrates, recordando Soares e o bloco central, a Aliança Democrática e Sá Carneiro, passando por Durão Barroso, Santana Lopes ou Guterres, em tempos mais recentes, sempre, mas sempre, as políticas seguidas no País visaram a protecção dos mais desfavorecidos, a defesa dos trabalhadores, o progresso social, o crescimento da economia e o desenvolvimento social e cultural do País.

Com enorme sucesso, como se sabe. Por isso, nos encontramos nos primeiros lugares do ranking. Ao lado dos States, ora bem!... E, se ano sim, ano sim, houve sempre que pedir mais e mais sacrifícios aos mais sacrificados foi, naturalmente, para seu bem e porque a “conjuntura” – beatífica palavra! – assim o exigia para conseguir mais e melhor...

Ainda agora o Governo acaba de disponibilizar 20 mil milhões de euros do orçamento do Estado para garantia da saúde financeira dos bancos. Em nome dos supremos interesses nacionais, evidentemente... E o mesmo acontece por essa Europa fora, onde as “terceiras vias” de todos os matizes celebraram, de braço dado com o liberalismo mais desbocado, o “fim da História” e a inequívoca da superioridade moral e material do capitalismo...

E vem agora um senhor Foerster qualquer, saltando do bojo do sistema, a garantir-nos que afinal isto está mal e vai de mal a pior... E que as desigualdades de rendimento são chocantes nos países da OCDE, os mais desenvolvidos do Mundo. Não pode ser! Alguém pode acreditar? Não vivíamos nós no melhor dos reinos?! Aqui anda equívoco, certamente. Ou talvez, prosaicamente, gato escondido com rabo de fora...

De facto, quer parecer-me que, ou a OCDE endoidou - o que de todo não é crível - ou então cumpre bem o seu papel de sempre: dar colorido científico aos ditames da ordem social dominante e assim melhor anestesiar possíveis resistências...

Se não reparem. O mesmo relatório e a mesmíssima OCDE, que zurze as desigualdades é mesma organização que intima os países membros a fazerem “muito mais” para que as pessoas “trabalhem mais”, sem contudo apresentar argumento quanto a uma outra política de salários. Circunstância tanto mais curiosa quanto a organização reconhece que o trabalho não chega para alguém evitar a pobreza, pois que “mais de metade dos pobres pertencem a famílias que recebem fracos rendimentos de actividade”.

Ou muito me engano, ou está encontrada a solução para a “crise” - mais trabalho e menores salários!... Como sempre, em todas as crises do sistema. Esperem-lhe pela volta!...

...................................................

1. Ladrões de Bicicletas, com a devida vénia;

2. Uma História Crua - por amável sugestão de Nem tudo o que sobe...

23 comentários:

O Puma disse...

Lamento desiludi-lo

mas não está enganado

Sócrates e os seus pequenos

deuses caseiros

estão a trabalhar

para se conservarem no poder

com malabarismos adocicando

o código do trabalho

com rebuçados pré-eleitorais

"Cegos" abram os olhos

Manuel Veiga disse...

Puma,

Socrátes contava pouco (ou nada) antes da "crise"...

depois da crise conta muito menos!

a velha questão, portanto, da "árvore e da floresta..."

cada um vê o que é capaz...

abraços

Licínia Quitério disse...

Os escravos estão a ultrapassar os números previstos. É tempo de os senhores apaziguarem os seus medos com esmolas. Não tem sido sempre assim?

Um abraço.

São disse...

...e vivam os oaradoxos e contradições do "abençoado" sistema em sobrevivemos!!
Fica bem.

Isamar disse...

Um post fantástico como costumam ser os teus. Perpassado de ironia, não deixas de apontar os males de que padece o sistema capitalista. Até quando poderemos assim continuar?
Céptica, muito céptica, estou à beira de deixar de sonhar. E Abril vai tão longe!

Beijo

mundo azul disse...

Bem, meu amigo...Não creio que esse mal assole apenas o seu país...

Ótimo o seu texto!


Beijos de luz e o meu carinho...

Peter disse...

"Portugal é um dos países onde é maior o fosso entre ricos e pobres e garante que, em matéria de desigualdades, ombreamos com os Estados Unidos"

Com a "América profunda", aqueles sulistas que, vivendo miseravelmente, culpam os negros das suas desgraças. Racistas, xenófobos, fundamentalistas e conservadores, irão criar problemas a Obama.

Neste momento, milhares de americanos que viram as suas casas penhoradas, vivem nos automóveis.

A desgraça não é só nossa e ainda há pouco, lendo um texto da "Silêncio culpado" chego à mesma conclusão que ela: continuamos a viver acima das nossas possibilidades.

Abraço,
Peter

luis lourenço disse...

Só lhe falta o cão e a bengala para serem ceguinhos completos.que o altíssimo os ilumine e que a conjuntura não rebente com a estrutura...mas o que começa a ser evidente é que mais uma vez quem se lixa é o mexilhão...as crises são passageiras mas os sub-pobres permanecem...Justiça urgente faz falta...
abraços meu caro...

Carla disse...

mas essa é uma realidade que já se pratica em Portugal há alguns anos! Mais trabalho e menos ordenados...infelizmente ainda ninguém entendeu que a produtividade não passa exactamente por esses critérios
beijos

vida de vidro disse...

Desigualdades? Onde, onde? Não há pior cego que o que não quer ver... ou aquele a quem não convém ver. Não tenho dúvidas que a "solução" será a que apontas no final do texto mas em 2009 convém não mostrar muito isso, não é? Vamos ver...
Um post muito bom, no teu melhor estilo. **

Unknown disse...

Como comentário deixo-te este endereço:
.
http://video.google.com/videoplay?docid=-3412294239230716755&hl=en
.
que vale a pena "ver", porque é tão didáctico e vem a propósito!...
.
[Beijo... de "deformação" profissional...]

M. disse...

Admiro a tua reflexão crítica constante.

C Valente disse...

Só não vê quem não quer e não é preciso os outrs nos virem dizer
Saudações amigas

jrd disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jrd disse...

É um caso evidente de bipolaridade.

Eme disse...

A OCDE ainda cá está e hoje é quarta feira. Tinha esperança..

No resto não tenho esperança. Portugal vai parar ao raio que o parta e o povinho ainda vai ter de sofrer muito antes de ir para o céu. Acho que lá não há fossos. Acho...

beijo

Nilson Barcelli disse...

Desconfio que já sei onde está o problema do país...
Se há centenas de anos que nenhum governo, republicano ou monárquico, consegue fazer nada digno de nota, com a excepção da época em que andamos a roubar e a matar pelos 4 cantos do mundo, mas cujo mérito (há quem o diga) foi dos Templários, o problema está em nós. No povo que somos.
Para além disso os governos saem do povo...
Como já aqui terei dito há imenso tempo, repetindo os romanos, que nos deixaram de livre vontade, somos um povo que não se governa nem se deixa governar...
Abraço.

batista disse...

“São de bruma os tempos”

por isso, mais que nunca, necessário se faz, manter o espírito crítico – e a poesia bem alimentada dentro de nós!!!

deixo um abraço fraterno.

Graça Pires disse...

Reflexão bem feita e muito crítica. Cheia de ironia, a teu jeito. Concordo.
Um abraço.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Herético
Quem sou eu para contrapor tão apurada análise?
Já agora acrescento um ponto referido no dito relatório:
Os dados reportam-se até 2006.
Percepciona-se (a percepção é minha) que, de 2006 para a frente, a pobreza se tenha acentuado e o fosso entre ricos e pobres também.

Abraço

mariam [Maria Martins] disse...

Herético,
como já referi antes, não sei como comentar "política" ... mas, se calhar temos governos à "nossa" medida...(portugueses de Portugal)
e, os ciclos governativos mudam e mudam e mudam ... e pouco ou nada muda....... como dizem os "putos" dassssssss
(sorry!)

e mais, (acho que já disse isto antes... ) saindo tantos jovens todos-os-anos das faculdades, supostamente, gente inteligente e competente, que poderia mudar, inovar...mas não, ou vai pró estrangeiro, porque cá não lhes dão valor ou fica e inquina p'la mesma bitola do antecedente...

:(

bettips disse...

Assim andando, ainda nacionalizam o país.
E o que éramos nós sem "o estrangeiro"?
(O que Marx sorri, lá em Highgate no seu canto místico.)

jawaa disse...

Deixa lá que a crise fez pelo menos desaparecer das prateleiras das livrarias «O Capital»...

Meu caro, as pessoas vivem demasiado preocupadas com o que precisam (acham que) de mostrar que têm, mais ainda do que ter.

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...