"Entre as dimensões características da nossa sociedade, em matéria de saber profissional, de qualificação social e de trajectória individual, encontra-se a reciclagem. Esta implica para cada um, se é que não quer ver-se relegado, distanciado e desqualificado, a necessidade de “pôr em dia” os próprios conhecimentos e globalmente o saber, quer dizer, a “bagagem operacional” no mercado do trabalho.
Tal noção visa em especial os quadros de empresa e, mais recentemente, o professorado. Mas ao fim e ao cabo, o que o conceito pretende dizer é que, com base no progresso contínuo dos conhecimentos (nas ciências exactas, na técnica de vendas, em pedagogia, etc.), todos os indivíduos deveriam normalmente adaptarem-se para se manterem “em linha” (com a exigências do processo produtivo).
O termo “reciclagem” consegue, de facto, proporcionar várias reflexões: evoca irresistivelmente o “ciclo” da moda, onde cada qual tem de estar “ao corrente” e de reciclar-se todos os anos, todos os meses e todas as estações, no vestuário, nos objectos e no automóvel. Se não o fizer, não é verdadeiro cidadão da sociedade de consumo. Ora, é evidente que em tal caso não se trata de progresso contínuo: a moda é arbitrária, móvel e cíclica, nada acrescentando às qualidades intrínsecas do indivíduo. Possui, no entanto, o carácter de profundo constrangimento e os seus critérios são o sucesso ou a marginalização social.
Pode perguntar-se se a “reciclagem dos conhecimentos” não esconde, debaixo da capa científica, o mesmo tipo de reconversão acelerada, forçada e arbitrária da moda, pondo em acção, no plano do saber e das pessoas, idêntica “obsolescência dirigida” que o ciclo da produção e da moda impõem aos objectos materiais. Em semelhante caso, teríamos, não com processo racional de acumulação científica, mas antes um processo social, não racional, idêntico todos os outros processos de consumo (...).
Idêntico princípio invade hoje o domínio profissional, em que os valores de ciência e de técnica, de qualificação e de competência sucumbem perante a reciclagem, ou seja, perante os constrangimentos de mobilidade, de estatuto e de perfil de carreira...”
Jean Baudrillard - in “A Sociedade de Consumo” – Edições 70 – Arte & Comunicação.
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Trocado por miúdos: o tão badalado programa “novas oportunidades” não passará de um logro, destinado a esconjurar (como a moda) a “miséria do quotidiano”...
Ora vejam!...
24 comentários:
Eu faço uma leitura diferente...
Isto é, tudo depende dos conteúdos e da intenção com que se faz essa "reciclagem".
Confesso que não gosto da palavra, pois, entre nós, ela é usada para os resíduos...
Abraço.
reduzir a questão levantada à reciclagem é isso mesmo redutor...prefiro pensar em aprendizagem ao longo da vida...acho bem interessante este conceito...sintetiza muito da condição humana: a constante necessidade de aprender e...a persistente capacidade para o fazer...
humm...poe momentos fiquei demasiado séria ...por sorte dei-me conta disso... ehehe
:))
Como se diz aí atrás é uma palavra que associa de imediato aos resíduos, ao lixo...não gosto dela...
Contudo, parabéns pelo excerto transcrito...
lembra-me cenoura! e lá vamos indo...
este livro de braudillard faz uma perfeita análise de todo este engodo...muito clara e lúcida!
perturbante no meu caso.
por onde ir e o que fazer no meio desta arena
será a grande, a imensa questão!
.beijO
Li esse livro há muitos anos, mas como continua actual...
Tudo de bom!
Reciclados precisavam eles todos de ser. No Outão.
"Aprender, aprender sempre!"
E não é preciso título: é a cultura, estúpido, poderíamos dizer-lhes.
Fazem bandeiras de coisas tão velhas, esfarrapadas. Escritas e discutidas por filósofos, ensaístas, politólogos...isto cansa! As pessoas precisam de habitar com dignidade a sociedade a quem servem, só isso.
Abçs
Reciclagem na Arrábida? Oh, Deus por favor poupa os pulmões do mundo da voracidade dos homens.
Talvez já tenhas lido o livro de hoje.
Bloga comigo.
Bjos
Todos reciclados, todos na linha, todos iguais e poucos a valerem pela diferença porque a diferença passou a valer pouco.
Reciclados e cada vez mais incultos.
Tanto tempo gasto a reciclar conhecimentos e tão pouco a aprender realmente.
A cultura perde-se em reciclagens porque não se recicla nem é imposta pela sociedade.
A cultura é livre e escolhe-se ou não o caminho da eterna busca de cultura.
Reciclamos homens e fazemos a revisão às máquinas qual é a diferença?
Isabel
Uuuui, piso escorregadio!
Não comento!:-)
Se tudo hoje em dia é considerado mercadoria, porque não "reciclar" as pessoas, para depois as usar onde fôr mais rentável??
Cada vez me sinto mais marginal a esta "moral" vigente...
H.,obrigada pela visita ao Quarteto...:))
Reciclar: saudable verbo da 1ª conxugación...
Apertas conxugadas.
:)
Eu, que adoro bagatelas, frioleiras e quejandos...
sinto-me cada vez mais "fed up" com a nossa sociedade ... sociedade de consumo, agora globalização..............
bj.
para ti ...
Herético
Concordo com o texto. E concordo com a transposição para as "Novas Oportunidades".
O conceito de reciclagem é exactamente esse efeito redutor em que os conhecimentos não se constroem nem se diversificam. Antes se formatam a um espaço exíguo dos restos do que eram.
Um abraço
reciclada já eu fui e cada vez me lixam mais. a reforma é pequena e os poucos tostões para o que der e vier tremidos.
um abração caro amigo.
Oi Herético,
Sempre actualíssimo!
Grande parte destes trabalhos são feitos por outras pessoas, essa é que é a verdade, não são muitos aqueles que fazem o seu próprio.
Eu própria já ajudei, fazendo grandes partes de alguns, qualquer dia até começo a cobrar uns trocos.
Grande parte das pessoas não consegue fazer o seu trabalho, pois não sabem estruturá-lo e/ou nem sequer sabem construir um texto.
Não desvalorizo as pessoas que fizeram os seus próprios, certamente haverão muitas, se calhar com piores notas do que as outras que não mexeram uma palha.
Depois, na apresentação oral, a pessoa em cerca de 10 minutos expõe um tema em que se sinta confortável e tudo corre bem!
Nas escolas e faculdades passa-se a mesma coisa. Muitas vezes as pessoas cabulam ou são outros que fazem os trabalhos.
Eu sempre fiz os meus.
O RVCC pretende fazer subir artificialmente os níveis de escolaridade do país, não é novidade.
Mas nem tudo são críticas:
Tem as vantagens de permitir o acesso a profissões, as quais não precisam dos saberes conquistados com o RVCC, mas que precisam do 12º ano, por exemplo, instrutor de condução.
Tem ainda a vantegem óbvia de ensinar as pessoas a estruturar o pensamento. As pessoas que ajudei, depois dessa ajuda, falam e escrevem de maneira completamente diferente.
Esta é a minha experiência e mais não digo senão ainda arranjo problemas!...
Beijo,
Stella
Curso de futebolista, pois então. Ganda oportunidade!!!
Andamos a brincar, claro.
Eu reciclo-me, tu reciclas-te, eles julgam que são eternos...mas não são!!!
Jean Braudillard, também ele, embora já tenha morrido, um pensador "na moda", faz aqui uma análise brilhante. Mas era de esperar outra coisa?
Só que saltar das considerações de Braudillard sobre a "reciclagem" das pessoas para o programa Novas Oportunidades parece-me um passo ligeiramente grande demais. Não podes negar a necessidade existente de formação dirigida à inserção no tecido produtivo. E nem toda a gente é talhada para filósofo, doutor ou engenheiro. Esses também era bom que se "reciclassem" ou, pelo menos que fossem aprendendo continuamente.
Mas continuando (desculpa lá o espaço que te ocupo),pegando no teu exemplo, jogador de futebol é hoje em dia uma profissão de alguém que trabalha num espectáculo, goste-se ou não. Se um miúdo, já com a escolaridade obrigatória feita, o quer ser e para isso tem formação, ainda bem. Considero isso o mesmo que dar formação a qualquer outra pessoa que trabalhe no mundo do espectáculo. E podia continuar mas, se calhar, já falei demais...
Faço só notar que não gosto deste governo e raramente o defendo. E pouco sei também sobre os resultados do programa em causa.
Desculpa que volte: é que fui olhar para o teu cartaz e os candidatos não têm a escolaridade obrigatória. Têm, isso sim, a possibilidade de a alcançar tirando esse ou outros cursos orientados para a prática.
Correcção feita.
O texto não é contemporâneo, pois não... Pouco importa.
O Pessoa também não é e o Camões muito menos e, mesmo assim!...
No entanto, reconheço-lhe a "actualidade" que vem a propósito.
Não me parece é que se esgote na questão das "novas oportunidades".
Poderia ser catapultado para outros contextos, tão diversos [infelizmente]...
Hoje, também já não se usa a terminologia "sociedade de consumo", com o mesmo sentido que tinha, quando também eu li [pois então...] esta obra. O mesmo se passa com "reciclagem"...
Mudam as terminologias... e, de certa maneira, mudam os "referentes".
Quando a minha mãe fazia acções de formação, no pós 25 de Abril, chamavam-lhe reciclagem e ela gostava do sentido -"actualização", finalmente!
Hoje, reciclagem lembra lixo, pois lembra [cascas de cenoura, pacotes vazios de leite, papel velho, pilhas gastas, e por aí...]
Mas também é disso que se trata.
Somos tratados como tal.
Eu sinto que nos tratam como tal.
Sinto que me tratam como lixo.
Assim, reciclar é a palavra de ordem!
A história da "aprendizagem ao longo da vida"... era uma ideia bonita, mas perdeu o sentido. Passou o momento. Os tempos são outros tempos.
Outras ideias menos claras e patéticas, num país onde a ileteracia é o "pão nosso de cada dia [...nos dai hoje, que amanhã nunca se sabe...], tais como "choques tecnológicos", são mais actuais e descabidas.
O comentário vai longo.
Aqui me calo, por agora.
Um bj
"A cultura é livre e escolhe-se ou não o caminho da eterna busca de cultura.
Reciclamos homens e fazemos a revisão às máquinas qual é a diferença?
Isabel"
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pois é.
aproprio-me das palavras da Isabel. porquê?
porque tenho a certeza de que Ela não se importa...:)
e repetir seria pouco interessante.
_______________boa noite.
Este fenômeno de "reciclagem" a la Giorgio Armani é a besta escarlate "dos valores de ciência e de técnica, de qualificação e de competência" do mundo moderno. E o seu número é 666.
Mais um ponto para você, caro amigo!
concordo consigo plenamente. e digo isso constantemente às minhas colaboradoras. mas lá isso, elas actualizam-se. agora até adquiriram umas algemas que dão uns pequeninos choques eléctricos. aquilo faz cá uns fornicoques. o amigo quer experimentar? olhe que gostava e ficava cliente.
ah, eu sou o joão.
e eu o Tolilo! Ora essa!
Chuac!_
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