sexta-feira, setembro 28, 2007

"Flatus vocis" ou o estrondo da política...

Como se sabe, qualquer linguagem ou sistema de comunicação, desde a política, literatura, a arte, a moda, o cinema, o desporto, a culinária e, de uma forma geral, todo o comportamento humano – desejaria que até este próprio texto - “fala” para além daquilo que propriamente diz. Os silêncios, os gestos, os contextos, são tantas vezes mais expressivos que a denotação das palavras, ou que os códigos em cada discurso se desencadeia e se realiza.

Claro que as linguagens mais elaboradas, como a literatura, o cinema, a arte em geral e (uma certa forma) de política alimentam-se deste jogo de(s) ambiguidade(s), e nuances de sentido, articulando-se, ou desfazendo-se, abrindo-se a novas possibilidades de “leitura”, ou remetendo para outras instâncias de “significação”...

No que diz respeito à política, a comunicação tem, por sua natureza, importância decisiva, como bem se compreende. Porque a política é fundamentalmente “verbo”, quer dizer, carne do compromisso originário do homem com a cidade - usar a palavra é ministrar o sacramento do(s) poder(es)...

Por isso, a política, é (era) encenada, cerimonial, retórica, empolgante... Em discurso directo com os cidadãos, na praça pública, tantas vezes na proximidade da presença afectiva e do contacto pessoal. Pode dizer-se que a politica se exercia sem mediatizações. Ou, então, em espaços e meios de comunicação neutros (enfim, tendencialmente!), por onde perpassavam os diversos discursos políticos, em relativa igualdade. E tinha sempre significado. Quer dizer, conteúdo, diferenciação, sentido... A pulsão da vida e do discurso político sobrepunham-se aos efeitos da forma...

Hoje em dia, verifica-se uma mudança de paradigma. Os órgãos de comunicação social e, em especial as televisões, criaram a sua própria ideologia comunicacional ao serviço do lucro das empresas, de que são emanação. As audiências são o alfa e o ómega de qualquer direcção editorial. O que interessa é o estrondo mediático que aumente o lucro da publicidade. A realidade real é ilidida. “A tragédia e o horror” são receita garantida de audiência. E, se a realidade não chega, “fabrica-se” virtualmente a realidade, inventando, empolando, repetindo até à exaustão... Com consequências devastadoras na forma de fazer política.

Os media – até então instrumento neutro (?) de comunicação - são hoje o “quarto poder”, sobrelevando-se aos poderes de soberania (as televisões têm a veleidade de afirmarem que “fabricam presidentes da República como quem vende sabonetes"...) A verdade política é, assim, aquilo que a comunicação social afirma ou as televisões revelam – e não aquilo que os políticos pensam ou propõem e, muito menos, aquilo que a sociedade e os cidadãos aspiram. A política ficou, portanto, prisioneira do enredo da comunicação social. A criatura devora o criador, num jogo de mútuos reflexos, de quem ninguém sai ileso – nem os media, nem os políticos.

Dois breves exemplos. “A guerra do Alecrim e da Manjerona” que grassa no reino do PSD, a propósito da eleição do líder. A dramatização mediática, interessa aos media, como meio de fixar audiências. E interessa aos actores, que pela histeria (no sentido patológico do termo) do discurso pretendem evocar uma alegada matriz ideológica do partido em causa – frontalidade, combatividade, clareza – e projectar na sociedade uma (falsa) ideia de democracia, no jogo de oposições e simulacros.

Quem se limite a partilhar apenas os efeitos do discurso não pode escapar a sensação de “deslumbramento” no confronto bélico dos candidatos. E, no entanto, qualquer deles, confrangedores, sem qualquer substância, ou qualquer ideia digna de registo...

Mais sofisticado, porventura, o segundo exemplo. Um político desacreditado, em momento de recuperação, é entrevistado num canal televisão. Simultaneamente, uma vedeta desportiva, qual herói nacional, regressa ao País, depois do loiros conquistados na velha Albion... A televisão não hesita. As audiências a tal obrigam. Descarta-se do político para ligar ao aeroporto e entrevistar a vedeta...

Hábil nos simulacros, o político nega-se a continuar a entrevista. Abandona os estúdios gritando que o “País está a ficar doido”. O gesto, porém, valeu-lhe mais que qualquer discurso. O “homem mordeu o cão” . Por isso, o político é notícia, como almejava...

Flactus vocis, - dir-se-ia – evocando-se Raul Proença e os tempos da "velha" política...

domingo, setembro 23, 2007

Marcel Marceau

"Je sais des rêves qui ne reviendrons plus

A l'heure fugitive ou les visions passent,

Les enfants comme les vieillards

pensent à leur passé pour que rien ne s'efface"

Marcel Marceau...

Marcel Marceau, um dos mais famosos mímicos do mundo, faleceu este Sábado, com 84 anos. Nascido no dia 22 de Março de 1923, em Estrasburgo, França, Marceau proporcionou, durante décadas, gargalhadas e lágrimas ao(s) público(s) de todo o Mundo, através da sua arte genial.

Marcel Marceau passou a infância em Estrasburgo até aos 15 anos, quando a sua família, de origem judia, foi obrigada a deixar o seu domicílio, após entrada da França na Segunda Guerra Mundial e a ocupação nazi.

O seu pai foi preso pela Gestapo em 1944 e assassinado em Auschwitz. Marcel Marceau juntou-se à Resistência francesa em 1942, em Limogges, como elemento das “Forças Francesas Livres”, lideradas pelo General De Gaulle. Parte do seu trabalho na “Resistência” consistia em ajudar a atravessar a fronteira a jovens e crianças judias. Foi então uma das pessoas mais procuradas pela Gestapo.

Marcel Marceau confessou que manteve esse nome de empréstimo, como nome artístico, em homenagem aos homens e mulheres da ”Resistência” e “todos aqueles que foram torturados e fuzilados, para que o nosso Mundo possa ser livre e justo”.

Em 2005, aos 82 anos, Marceau fez uma tournée de despedida pela América Latina, passando por Cuba, Colômbia, Chile e Brasil. “A mímica, assim como a música, não conhece fronteiras nem nacionalidades”, - dizia. “Se a gargalhada e as lágrimas são características da humanidade, todas as culturas estão mergulhadas em nossa disciplina”.

Marcel Marceau maravilhou o público cubano com sua apresentação cheia de intensas emoções, sem proferir uma só palavra na superlotada sala do Gran Teatro de La Havana. O célebre mímico francês mostrou “o melhor de Marcel Marceau” , numa apresentação única, em 12 de Setembro, a convite da directora e fundadora do Ballet Nacional de Cuba, Alicia Alonso.

Com uma vitalidade incomum numa pessoa dessa idade, Marceau transmitiu a arte magnífica de converter “o invisível em visível”, segundo suas próprias palavras, numa selecção de pantomimas: “A criação do mundo”,O jardim público”, “As mãos”, “Os burocratas” e “O tribunal”.

As cerca de 2 mil pessoas que lotaram a sala não esperaram o fim da apresentação para manifestarem entusiasmo pela sátira “Os burocratas”. Marceau não se agastou por isso e expressou: “Foi um público extraordinário, porque entendeu como misturei a tragédia e a comédia”.

A tragédia e a comédia da vida!...

quarta-feira, setembro 19, 2007

"Zezinha" ou miss Pig da política?

A menina “Zezinha” anda acalorada neste fim de Verão lisboeta. A sua madeixa loiro-acobreada dança, pletórica, em agitação de grandes causas, com os chineses da baixa lisboeta, erguidos como objecto de limpeza urbana. Senhora prendada e de esmeros, com pedigree nos genes e um destino messiânico, não suporta, um grão que seja de poeira, em sua lustrosa sala e, por sua vontade, bem gostaria de transpor para o espaço público semelhantes cuidados de cleanness. Em grande - uma Chinatown, portanto! – inspirada, sabe-se lá, se nos fantasmas do velho gueto de Varsóvia, onde hoje em dia, pela mão de dois gémeos, alcandorados no poder, as coisas parecem talhadas a seu gosto, com a marginalização daqueles que não apresentem a “pureza” necessária...

Há quem lhe ache graça e a considere uma espécie de Mafaldinha da(s) cena(s) políticas do País. A mim, confesso, mais me parece miss Pig, lançando olho lúbrico ao poder, como a outra, a verdadeira, se atirava, dengosa, para os braços do pobre Cocas... Porque a senhora gosta de mandar (“alguém tem que mandar, n´é?!...” ) e, à falta de outra legitimidade, propõe-se ser nomeada para a “Missão” Baixa-Chiado – programa público, de milhões de euros, para revitalização daquela zona citadina. Em part time e “não mais de dois anos”, apressa-se a esclarecer, não vão os comuns mortais julgar que os seus múltiplos talentos e sua multifacetada personalidade se esgotariam nessas minudências...

Em troca semelhante dádiva à Pátria, ficamos então a saber que votou António Costa e que votou Salazar! ... Que o voto em Costa lhe faça bom proveito! Mas uma coisa, porém, é certa, em Salazar nunca ela votou. Não era possível. Salazar era mais dado “a uns safanões a tempo”, com que surrava – nas prisões e nas ruas - os que patrioticamente o combatiam. Por isso, as salazarentas eleições foram sempre um simulacro, a que o ditador, aliás, nunca se submeteu... Mas ficamos a conhecer melhor, com seu desplante, qual o paradigma de cidadania da senhora em causa: segregação social e simulacro de eleições (de preferência na Televisão, para evitar maçadas!...)

Eu sei que a questão é séria. Mais digna de indignação que de desajustada ironia. De facto, Maria José Nogueira Pinto, - é dela que se trata - não é tontinha nenhuma. Sabe bem o que faz e o que diz. Ao serviço dos objectivos políticos que persegue, na recuperação da triologia “Deus, Pátria e Família” e da ideologia fascista, que inspira a sua permanente agitação política. Sem rebuço desta vez em afirmar que Salazar, - “que gostava de mandar” – cumpriu “os objectivos que tinha”(...) apesar dos ventos da História estarem a mudar...”

Se a ilustre senhora o afirma, quem sou eu para contrariá-la? Até estou tentado a dar-lhe razão e admitir que os objectivos de Salazar foram zelosamente cumpridos. O campo de morte do Tarrafal, as execuções sumárias, (de que o assassínio do general Humberto Delgado é porventura a mais conhecida), os Tribunais Plenários, as cadeias políticas, a censura, a fraude eleitoral, o analfabetismo, a doença e a miséria são disso poderosos exemplos, que hoje, tão desvanecidamente, a deslumbram...

É certo que nunca Salazar conseguiu vergar a resistência e erradicar do Povo a esperança de Liberdade e do progresso social. E por ela se bateu com determinação e coragem ao longo de 40 anos. Mas para mal do País, a cadeira, que o derrubou, chegou tarde demais, contrariando, nesse ponto, a ilustre senhora.

Como se sabe, a menina “Zezinha” tem boa imprensa, boas relações sociais, verve e talento às carradas. E ufana-se da sua “obra” como vereadora da Câmara Municipal de Lisboa. Mas convém lembrar que a zelosa vereadora, promoveu e aprovou um regulamento, que impedia os imigrantes de concorrerem às habitações de um bairro municipal. Racismo e xenofobia? Que ideia... Apenas “higiene” social, meus caros! E ordem, está visto!... Isto (o bairro, a cidade, o País, o Mundo) “não é uma fruteira onde se possam meter bananas, maçãs, laranjas e dizer que tudo está bem” – diz, inspirada.

A excelsa senhora é, comprovadamente, manipuladora exímia da política. Será interessante, por isso, saber-se qual o papel, nesta trama, do Presidente de Câmara de Lisboa, António Costa. Se rejeita o fogoso abraço ou se alimenta sonhos de Duarte Pacheco.

Pela mão da menina “Zezinha”, está claro!...

sexta-feira, setembro 14, 2007

Flores para o sr. Scolari (em forma de redondilha!)

“Mester havia D. Gil
Um falcãozinho bornil
Que não voasse
A D. Gil
Nem migalha não filasse!

Um galguinho lebril
Que uma lebre de mil
Não filasse
A D. Gil
Mas rabejasse e ladrasse!

Podengo de riba Sil
Que confiasse um muril
Que lhe mijasse
A D. Gil,
Quando a lebre lhe achasse!

E ossas dum javali
Que dessem por seu quadril
Embargasse
A D. Gil
Quando lebre levantasse!...”

Cancioneiro Nacional – Anónimo - citado em “Homo Ludicus" - M. Sérgio e Noronha Feio – Edição Compendium.

Costuma afirmar-se que para um verdadeiro líder haverá sempre “um tempo falcão e um tempo coruja”. Nem um, nem outro, no caso. Apenas tempo de voar baixinho e cenas... grotescas! Que o meanstream desportivo (e político) está apto a branquear...

sábado, setembro 08, 2007

Fragilidade(s)...

A voz é apenas magma
Som inarticulado da palavra em gesto
De saltar do berço...

E o sorriso
Lágrima adiada em caótico delírio:
Um e outro instinto puro...

Mátria porém a raiz do olhar
Que te envolve. E o círculo das mãos
Em teu redor...

António.

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Antes da "rentré" política, uma embebecida fragilidade...

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...